01/09/2022 às 09h03min - Atualizada em 02/09/2022 às 00h15min

ONU relata 'crimes contra a humanidade' em Xinjiang; Pequim acusa relatório de 'ferramenta política'

O documento é baseado "em desinformação e mentiras fabricadas", disse a embaixada chinesa na ONU. Relatório cita violações de direitos humanos contra uigures, etnia muçulmana que é minoria cultural na China.

G1
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O documento é baseado "em desinformação e mentiras fabricadas", disse a embaixada chinesa na ONU.
Relatório cita violações de direitos humanos contra uigures, etnia muçulmana que é minoria cultural na China. Protestos de uigures exilados em Istambul, na Turquia
Dilara Senkaya/Reuters

Pequim reagiu com firmeza nesta quinta-feira (1°) ao relatório publicado na véspera pela ONU sobre supostas violações de direitos humanos de uigures e outras minorias muçulmanas na região chinesa de Xinjiang (noroeste), alegando que o documento seria uma "ferramenta política" usada contra Pequim.
"Este relatório é uma coleção de desinformação e uma ferramenta política a serviço da estratégia dos Estados Unidos e do Ocidente, que visa usar Xinjiang para impedir [o desenvolvimento] da China", declarou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país, Wang Wenbin, em entrevista à imprensa.
Apesar da pressão de Pequim, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) publicou seu tão esperado relatório sobre Xinjiang na noite desta quarta-feira (31). Reunindo entrevistas realizadas pelo próprio escritório e informações diretas ou de terceiros, o documento evoca a possibilidade de "crimes contra a humanidade" na região, mas não menciona o termo "genocídio", usado em especial pelos Estados Unidos.
Por outro lado, o documento traz uma acusação feita contra Pequim pelo governo americano, pela Assembleia Nacional da França e pelas representações do Reino Unido, Holanda ou Canadá.
“O ACNUDH criou cada peça deste relatório, se apoiando na conspiração política de algumas forças antichinesas no exterior”, acrescentou Wang Wenbin. “Isso prova mais uma vez que o comissariado se tornou um defensor e cúmplice dos Estados Unidos e do Ocidente em punir um grande número de países em desenvolvimento.”
O documento é baseado "em desinformação e mentiras fabricadas por forças antichinesas " que "difamam e caluniam a China e interferem nos assuntos internos da China", escreve a embaixada da China na ONU, em Genebra, no comentário anexado ao relatório.
Em 2019, Guga Chacra comentou sobre o pedido da ONU pelo fim de campos de concentração de muçulmanos na China
'Evidências críveis'
Em seu relatório, a ONU evoca estes possíveis "crimes contra a humanidade", relata "evidências críveis" de tortura e violência sexual contra a minoria uigur na região chinesa de Xinjiang e pede à comunidade internacional que tome providências.
"A extensão da detenção arbitrária e discriminatória de membros dos uigures e outros grupos predominantemente muçulmanos pode constituir crimes internacionais, em particular crimes contra a humanidade", afirma o relatório com menos de 50 páginas, em suas conclusões.
Ao publicar o documento pouco antes da meia-noite em Genebra, Michelle Bachelet – para quem esta quarta-feira foi o último dia à frente do Alto Comissário, após um mandato de quatro anos – cumpriu sua promessa nos últimos momentos.
Se, por um lado, o relatório parece não conter nenhuma revelação em relação ao que já se sabia sobre a situação em Xinjiang, por outro, o documento confere o selo da ONU às acusações feitas há muito tempo contra as autoridades chinesas.
Manifestantes pró-democracia em Hong Kong saíram às ruas em defesa dos uigures, etnia muçulmana na China
Marine Lebreton/Hans Lucas/via AFP
Espancamentos, tortura, estupros
A ONU entrevistou 40 testemunhas ou vítimas de abusos cometidos em Xinjiang. Entre elas, 26 foram detidas em campos de reeducação ou “formação profissional”, conforme a terminologia oficial chinesa. O relato é sempre o mesmo: espancamentos, tortura, tratamento forçado com drogas e até estupro.
As violações ocorreram por meses e sem que as vítimas pudessem se comunicar com suas famílias. Tudo isso, sem motivo aparente – a não ser o de pertencerem a uma minoria étnica odiada pelo poder central. O relatório também menciona controle populacional por meio de sistemas de reconhecimento facial, acrescenta Jérémie Lanche, correspondente da RFI em Genebra.
A publicação do documento havia sido alvo de intensa pressão por parte daqueles que queriam torná-lo público – em especial os Estados Unidos e as principais ONGs de direitos humanos. No sentido inverso, Pequim impedia que o texto viesse a público.
“As alegações de práticas recorrentes de tortura e maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e más condições nas prisões, são críveis, assim como alegações individuais de violência sexual e de gênero”, escreve o escritório da ONU.
O relatório "desnuda as enormes violações dos direitos humanos na China", afirmou Sophie Richardson, diretora da ONG Human Rights Watch na China. O conselho de direitos humanos da ONU "deveria usar este relatório para lançar uma investigação completa sobre os crimes do governo chinês contra a humanidade", ela acrescenta.
A Anistia Internacional também exige que o conselho “estabeleça um mecanismo internacional independente para investigar” esses crimes em Xinjiang.
Uigures que vivem na Turquia queimam uma bandeira chinesa em manifestação diante da embaixada chinesa em Ancara.
ADEM ALTAN/AFP
Reações dos uigures
As reações dentro das organizações uigures sediadas no exterior são variadas. Alguns saúdam o relatório, mas outras gostariam que ele fosse mais longe na  condenação a Pequim.
"Isso é um divisor de águas para a causa uigur em nível internacional", comentou Omer Kanat, diretor-executivo do Uyghur Human Rights Project, uma associação para a defesa dessa minoria. "Apesar das fortes negações do governo chinês, a ONU acaba de reconhecer oficialmente que crimes horríveis estão sendo cometidos."
“Este relatório abre caminho para ações sérias e tangíveis por parte dos Estados-membros, agências da ONU e empresas”, declarou Dolkun Isa, presidente do Congresso Mundial Uigur, ao correspondente da RFI. “A hora do acerto de contas é agora”, acrescentou.
Já Salih Hudayar, um uigure baseado nos Estados Unidos, onde faz campanha pela independência de Xinjiang, disse que o relatório "infelizmente não é tão forte quanto esperávamos".
“Centros de formação profissional”
Estudos ocidentais acusam a China há muitos anos de ter internado mais de 1 milhão de uigures e membros de outras etnias muçulmanas em "campos de reeducação", impondo inclusive "trabalhos, esterilizações e abortos forçados".
Instalação murada em Xinjiang, na China, onde o governo chinês é acusado de deter muçulmanos da etnia uigur pela religião
Aysha Khan/RNS via AP
A ONU não confirma esse número, mas observa "que uma proporção significativa" de uigures e minorias muçulmanas foi internada.
A China denuncia os relatórios como tendenciosos e chama estes lugares de "centros de formação profissional" destinados a desenvolver empregos e erradicar o extremismo em Xinjiang, há muito atingida por ataques sangrentos atribuídos a separatistas uigures e islâmicos, principalmente entre 2009 e 2014.
A região é alvo de intensa vigilância, com muitas câmeras, portões de segurança em prédios, forças armadas com presença ostensiva nas ruas e restrições à emissão de passaportes.

Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/09/01/onu-relata-crimes-contra-a-humanidade-em-xinjiang-pequim-acusa-relatorio-de-ferramenta-politica.ghtml


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