07/08/2022 às 07h00min - Atualizada em 07/08/2022 às 08h02min

Produção artesanal de café gourmet em Roraima vira renda familiar e mira até a Europa

Com três polos cafeeiros, especialistas veem potencial no estado. O agricultor Itamar Calleri é um dos que acreditam no cultivo do café: a marca criada por ele já vendeu para fora do país.

G1
https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2022/08/07/producao-artesanal-de-cafe-gourmet-em-roraima-vira-renda-familiar-e-mira-ate-a-europa.ghtml

Com três polos cafeeiros, especialistas veem potencial no estado. O agricultor Itamar Calleri é um dos que acreditam no cultivo do café: a marca criada por ele já vendeu para fora do país. Produção artesanal de café em Roraima vira renda familiar e vendas chegam à Europa
A produção artesanal de café em Roraima tem, cada vez mais, se mostrado uma aposta de renda para pequenos agricultores e comunidades indígenas, que investem na sustentabilidade para ter um grão de qualidade e atender a paladares exigentes, como o do mercado europeu.
Embora ainda tímida, a produção já conta com três polos no estado. O objetivo, no futuro, é crescer e tornar o café uma alternativa a mais para a economia local, que tem entre seus carros-chefe a comercialização de soja e arroz.

Produção de café é toda artesanal em Roraima: grãos antes de serem moídos
Yara Ramalho/g1 RR
O produtor Itamar Calleri da Silva é um dos que veem no setor um cenário promissor. Ao lado da esposa e dos filhos, ele tem desenvolvido a cafeicultura ao longo de toda a cadeia, desde a colheita até o processamento. E os resultados têm chegado, com vendas até para fora do Brasil e planos de expansão.
O negócio é resultado de um desejo antigo da matriarca da família, aliado ao amor pela bebida tão apreciada no mundo e ao clima favorável de Pacaraima, que faz fronteira com a Venezuela. Graças à altitude elevada - são 920 metros acima do nível do mar -, a cidade tem temperaturas mais baixas em relação ao restante do estado, o que a torna propícia para o cultivo do café.
"Virou mais do que uma produção voltada para o dinheiro, é uma coisa mais além", conta Itamar.
"Nessa condição de altitude, o café consegue expressar o potencial de produzir boas bebidas", explica o analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Lorenzo Cruz.
A região da Serra de Pacaraima e o município de Uiramutã, também no Norte do estado, oferecem condições para o cultivo do arábica, mas os outros lugares de Roraima estão mais adaptados para as condições amazônicas, como o café robusta amazônico, produzido em Rondônia.
O fato de a produção no estado ser inteiramente artesanal é visto como uma vantagem na avaliação do coordenador de Agricultura Familiar e Indígena de Roraima, Regis Monteiro. Ele ressalta que, embora pequeno, o cultivo é "sólido, com bons frutos que tendem a crescer nos próximos anos".
Polos cafeeiros
Seleção de grãos sendo realizada na comunidade indígena Mangueira, em Alto Alegre
Resgis Monteiro/Seadi/Divulgação
Os polos cafeeiros de Roraima ficam em três pontos: no projeto de assentamento Caju, em Bonfim, onde vivem 44 famílias; na comunidade indígena Mangueira, em Alto Alegre, com a participação de 45 famílias; e na comunidade indígena Kauwê, onde fica a propriedade da família de Calleri. (veja no mapa abaixo)
Em Roraima, o cultivo de café ainda dá os primeiros passos, mas promissores. "O café é uma cultura que gera muita renda familiar, ele é capaz de desenvolver comunidades da região. Então, a gente acredita muito no potencial do café em Roraima", garante Lorenzo.
O economista e secretário-adjunto da Secretaria de Estado do Planejamento e Desenvolvimento (Seplan), Fábio Martinez, avalia que iniciativas como a da família Calleri gera riquezas para o estado, e isso independe do tamanho do negócio.
"O fator de estarem produzindo e vendendo já reflete em lucros. Isso mostra que está havendo, sim, resultado. E não deixa de ser um nicho de mercado interessante porque, culturalmente, o brasileiro já toma muito café. Além disso, principalmente por conta da regionalização, se torna algo a mais ser de Roraima. Tem esse impacto e pode ser o pontapé inicial para o cultivo dessa cultura no estado", explica Martinez.
Início do Imeru
Filho de pai cearense e mãe indígena do povo Macuxi, Itamar sempre esteve envolvido com o mundo rural. Hoje em dia, trabalha com a esposa Nerci, de 50 anos, e os filhos Gabriel Henrique, 23, e Ana Karoliny, 21. O filho mais velho, Lucas, 25, mora em Boa Vista e ajuda com as entregas na capital.
A família produz o café da espécie arábica, uma das principais cultivadas no Brasil do gênero "Coffea". O café descende de sementes que sobraram da época da colonização e que hoje já possuem características próprias e estão adaptadas às condições locais.
O nome da marca, batizada de Imeru, tem relação com o sítio onde vivem há 14 anos. No idioma Macuxi, a palavra significa cachoeira.
Itamar Calleri e a filha, Ana Karoliny.
Yara Ramalho/g1 RR
A plantação no sítio da família de Itamar, de pouco mais de meio hectare, surgiu a partir de uma sugestão da mãe dele, em 2016. O agricultor chegou a plantar uma muda dada por uma vizinha. Ela se multiplicou e se transformou em cerca de 250 pés de café.
No entanto, pouco tempo depois, ele, que até então só tinha trabalhado com a pecuária do leite, abandonou a produção porque não sabia como cuidar direito. "Mesmo assim, ele foi dando [frutos], foi produzindo no mato, sem a gente cuidar, sem nada".
Muda de café
Yara Ramalho/g1 RR
Embora tenha conseguido salvar a plantação, para Itamar a maior dificuldade foi a falta de conhecimento técnico.
Nos últimos meses, ele voltou a se interessar pela produção após o incentivo de um amigo dele e funcionário do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Encorajada, a família, então, procurou parcerias e, com o apoio da Embrapa Roraima, passou a se dedicar aos pés de café, que ali permaneceram por seis anos entre outras plantas, como bananeiras e pés de cupuaçu. Grande parte dos pés de café é produtiva e cultivada de forma 100% natural, sem agrotóxicos.
"Considero um café natural. Foi plantado na terra e, se ele não der [frutos], eu arranco e planto outro. Não tem agressão, não tem agrotóxico", afirma Itamar.
LEIA TAMBÉM:
Dia Mundial do Café: 13 fatos que talvez você não saiba
Produtor faz plantio experimental de café robusta amazônico
Plantado entre as bananeiras, os pés de café recebem os resíduos das bananas incorporados no solo. "O sistema de cultivo aqui é orgânico e ele [Itamar] plantou a banana próximo ao café, o que forneceu sombra nos primeiros meses de desenvolvimento, cumpriu o papel de proteger essas plantas da incidência do sol e ajudou com a reciclagem de nutrientes", explica o especialista da Embrapa.
Pés de cafés plantados próximos a bananeiras
Yara Ramalho/g1 RR
No entanto, agora, segundo ele, o cafezal necessita do sol para se desenvolver. "Os nutrientes obtidos desses resíduos alimentaram as plantas de café. Esse café consegue expressar melhor potencial produtivo quando produzido fora da sombra, sem estar assombreado, no caso, sem a sombra da banana", afirma.
Para o analista, em pouco tempo a plantação de Itamar deve se tornar "mais significativa". O espaço disponível para plantio e a boa vontade dele e da família no empreendimento vão ajudar expandir a produção. "Eles têm condições, área disponível e a boa vontade dos agricultores", diz.
Vendas
Foi só em outubro do ano passado que ele decidiu comercializar o café. A produção ainda é pequena, mas já coleciona apreciadores no Brasil e no mundo. Além de Roraima, foi vendido para Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo e alçou voos mais longes, até a Suécia, Espanha, Argentina e Paraguai.
A família comercializa dois tipos de café: gourmet e extra forte. O gourmet é preparado com grãos selecionados e faz mais sucesso. O pacote com 250 gramas do café produzido na propriedade custa R$ 25. Já o extra forte contém todos os tipos de grãos, que são mais torrados e, por isso, deixam o produto mais amargo. O pacote com 150 gramas custa R$ 15.
Café Imeru sendo colocado em xícara.
Yara Ramalho/g1 RR
A construção digital da marca tem chegado aos poucos. Ana Calleri é a responsável pela identidade visual do produto, o marketing e as vendas. Ela administra uma página numa rede social, onde divulga informações sobre o produto e mantém contato com clientes.
Café artesanal
Café artesanal é aquele em que o proprietário envolve-se diretamente em todas as etapas do processo produtivo. No sítio Cachoeirinha, o café é colhido, secado, torrado, moído e embalado por quatro pessoas.
Itamar Calleri coando café.
Yara Ramalho/g1 RR
O processo todo é feito de forma manual e o café percorre um longo caminho antes de chegar à xícara. Primeiro, do pé de café, os frutos passam por uma colheita selecionada e apenas os maduros são escolhidos.
Depois, eles são secos ao sol e ao atingirem o grau de umidade perfeito, são separados. Após a análise sensorial de cada lote, os grãos são torrados, moídos e embalados. Todo o processo demora cerca de uma semana.
Café sendo secado ao Sol.
Yara Ramalho/g1 RR
A colheita é feita, principalmente, pela filha mais nova e uma das mais empenhadas no crescimento da marca, Ana Karoliny Siqueira Calleri. Segundo ela, o objetivo é produzir um café de extrema qualidade e totalmente artesanal.
"O processo é todo manual, desde a colheita selecionada até a embalagem e tudo é feito em família. Meu pai cuida mais da plantação, eu faço a seleção dos grãos e minha mãe me ajuda no processamento e empacotamento", explicou.
Ana explica ainda que não considera o café como orgânico porque ele não possui um selo, mas garante que toda a produção é natural. A planta, por exemplo, é tratada com adubo orgânico, vindo de estercos dos animais do próprio sítio.
Café Imeru.
Yara Ramalho
"A gente não fala muito que o nosso café é orgânico porque não temos um selo, mas nossa produção é bem natural. Ela [a planta] é adubada com adubo de casa mesmo, como a gente tem o sítio e os animais, a gente usa esses estercos e o café é produzido de forma artesanal", disse.
Planos para o Imeru
Nas vendas realizadas, Ana Karoliny já se perdeu na quantidade. Mas, até o momento, possui uma lista de espera com mais de 100 clientes. A lista precisa ser feita porque o café produzido no sítio tem uma produção limitada e ainda não atende a demanda solicitada.
Apesar disso, ela conta que os clientes são pacientes e esperam o tempo que for necessário para apreciar o café Imeru. "Nossa produção é pequena e limitada. Então, nossos clientes já sabem [que precisam esperar], a gente explica toda a situação para eles sobre não ter muito café para enviar".
Produto é vendida até para países da Europa.
Yara Ramalho/g1 RR
Além do café, a família também se mantém da produção de queijo e doce de leite. O objetivo deles é trabalhar apenas com o grão e melhorar as condições de vida na região.
A família Calleri também pretende criar um roteiro turístico para os apreciadores de café. A ideia ainda não saiu do papel, mas vai envolver o processo realizado pela minifábrica e, claro, a degustação. "Estou com bastante expectativa para poder ter uma renda só do café e poder ajeitar o sítio. Um dia a renda principal do sítio será o café", afirmou.
Ana Karoliny segurando grãos de café selecionados.
Yara Raamlho/g1 RR
Leia outras notícias do estado no g1 Roraima.

Fonte: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2022/08/07/producao-artesanal-de-cafe-gourmet-em-roraima-vira-renda-familiar-e-mira-ate-a-europa.ghtml


Link
Notícias Relacionadas »
Mande sua denuncia, vídeo, foto
Atendimento
Mande sua denuncia, vídeo, foto, pra registrar sua denuncia