26/03/2022 às 17h42min - Atualizada em 30/03/2022 às 00h02min

Universo corporativo, filhos e a urgência de discutirmos a licença parental

Mariana Achutti, fundadora e CEO da SPUTNiK, compartilha suas considerações sobre o assunto

SALA DA NOTÍCIA Mariana Achutti, fundadora e CEO da SPUTNiK
Babuska Fotografia
 

Se você jogar no Google a combinação “filhos+lideranças+universo corporativo”, muito provavelmente o buscador apresentará toda a sorte de matérias a respeito de como mulheres sofrem com a tarefa de maternar. Não que a discussão não seja importante, já que somos as profissionais mais impactadas com a chegada de uma criança: a probabilidade de emprego das mães no mercado de trabalho formal aumenta gradualmente até o momento da licença-maternidade, e depois decai. Após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram a licença está fora do mercado de trabalho — a maioria das saídas acontece sem justa causa e por iniciativa do empregador. 

Fazemos parte da lista seleta de 34 países que cumprem a recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de conceder ao menos 14 semanas de licença à mãe, remunerando-a com salário não inferior a dois terços dos seus ganhos mensais no trabalho. No Brasil, temos 120 dias de licença com 100% de salário. Empregadores que fazem parte do Programa Empresa Cidadã chegam a oferecer 180 dias de licença. Mas é na Europa que estão as maiores licenças ofertadas. Na Croácia, por exemplo, são 410 dias (com 100% do salário por seis meses); na Noruega e no Reino Unido, 315 (com acordos de remuneração variantes em cada um deles). 

Acontece que para o assunto ganhar, de fato, o tom igualitário que exige, é preciso olhar além: a licença paternidade precisa ser estendida para que o cuidado de um novo ser que chega — e que isso valha, inclusive, para processos de adoção de crianças e adolescentes — não recaia única e exclusivamente sobre os ombros femininos. 

Com a vinda de nosso primeiro filho, eu e meu companheiro tiramos o mesmo tempo de afastamento de nossos trabalhos. Somos privilegiados, claro, porque temos nossos próprios negócios. E é justamente esse o chamado que faço: que outras lideranças possam entender seu papel social na implementação de diretrizes corporativas justas. Se quisermos, enquanto empregadores, atrair talentos, teremos de pensar, também, em como retê-los. E ficam em seus postos aqueles que se sentem vistos, acolhidos, amparados verdadeiramente. E-mails internos celebrativos, ações pontuais e discursos vazios são ótimas fachadas promocionais, mas não se sustentam no dia a dia, não colaboram efetivamente para aumentar a sensação de bem-estar do nosso quadro de funcionários. E ela importa. Felicidade, aliás, é um fator cada vez mais fundamental para a performance e os resultados de uma empresa. 

Um estudo da Warwick University, do Reino Unido, descobriu que trabalhadores felizes são 20% mais produtivos do que os não-satisfeitos. E sabe o que conta na hora de medir esse impacto comportamental positivo? Segundo o Índice de Qualidade do Ambiente de Trabalho (IQAT) criado pela Você S/A em parceria com a Fundação Instituto de Administração (FIA), são questões basilares como justiça organizacional, satisfação com a liderança, comprometimento organizacional, confiança, gestão de saúde, segurança e qualidade de vida no trabalho. 

Funcionários desejam que seus locais de trabalho reconheçam e valorizem a importância de outras esferas de suas vidas. É o que vale na hora de entrar — e na hora de permanecer — em um time. De acordo com o Guia Salarial 2021, 71% dos profissionais levam em conta o pacote de benefícios da empresa antes de aceitar uma proposta de emprego. A licença-paternidade estendida é apontada como uma das principais demandas. Mas eis a realidade: hoje, por lei, a CLT garante que homens que se tornam pais tirem apenas cinco dias para participar dos primeiros momentos do filho recém-chegado. Algumas organizações que aderiram ao programa Empresa Cidadã estendem o benefício para algo entre vinte e quarenta dias. Na visão empresarial, a licença ainda é vista como um benefício e não como um direito. E é aí que mora o erro — e a oportunidade. 

Empresas como a startup Loft já sacaram o jogo ganha-ganha. A plataforma digital adotou a licença parental estendida de até seis meses para pais e mães. O objetivo? Igualar o custo dos funcionários e reduzir a diferença entre gêneros. Em entrevista ao portal Terra, a diretora do RH, Renata Feijó, diz que os funcionários percebem, dessa forma, que fazem parte de algo maior: “Poder usufruir da licença faz com que eles sintam que é uma empresa que acolhe e isso é fundamental para construir uma relação recíproca de longo prazo". A política vale, também, para casais homoafetivos.

Para que mudanças dessa magnitude aconteçam de fato, é necessário que todos estejam alinhados e inspirados pela cultura organizacional. E para isso só há um caminho: educação. Conceitos, ferramentas e reflexões que circulam no universo corporativo precisam estar de acordo com os valores contemporâneos. Não basta que a mudança parta da lógica do top down. É fundamental que ela seja transversalizada em todos os níveis hierárquicos, em todos os setores, em qualquer área. Do lado de cá, depois de seis meses de prática, já sabemos: satisfação e bem-estar refletidos em engajamento e proatividade. Não parece uma ótima combinação?

 

*Mariana Achutti, fundadora e CEO da SPUTNiK, é empreendedora e vem ajudando a provocar mudanças no universo corporativo por meio de uma educação criativa e disruptiva em empresas como Google, Facebook, Globo, Boticário, Ambev, entre outras. Mariana atuou durante anos como gestora da Perestroika, escola de atividades criativas destacada como “uma das nove empresas da nova economia brasileira”, e em 2014, intraempreendeu e criou a SPUTNiK, o braço in company da Perestroika.


 


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