12/07/2018 às 05h10min - Atualizada em 12/07/2018 às 05h10min

Christian Kristensen: ‘A tecnologia vai revolucionar a atenção em saúde mental’

Neuropsicólogo e professor da PUCRS destaca uso atual e futuro de recursos tecnológicos na prática clínica da psicoterapia

Agência O Globo -
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Arquivo Pessoal

GRAMADO, RS - Neuropsicólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Christian Kristensen vê na tecnologia não só uma auxiliar nas terapias como uma eventual substituta de profissionais de saúde mental em algumas situações. Algo fundamental diante da escassez de pessoal na área, seja em países ricos ou em desenvolvimento, e num contexto de aumento da incidência de transtornos psíquicos, alimentado principalmente pelo estresse e a solidão da vida moderna. Confira a seguir a entrevista exclusiva que ele concedeu ao GLOBO durante a 15ª edição do congresso de neurociências Cérebro, Comportamento e Emoções (Brain 2018), realizado recentemente em Gramado, Rio Grande do Sul.

 

Já há disponível e sendo usado em pesquisas científicas um enorme conjunto de recursos tecnológicos para as mais diferentes ações envolvendo o atendimento psicossocial para pacientes com transtornos mentais. Talvez o que falta ainda é disseminar mais isso para o ambiente clínico. Acho que é algo que deve acontecer na próxima década, com seu uso crescendo muito rápido e de forma irreversível, desde conjuntamente com a psicoterapia a até mesmo situações em substituição ao psicoterapeuta.

 

Na prática do dia a dia podemos usar aplicativos para que o paciente faça atividades e tarefas para além da sessão, em casa ou outro lugar. Já temos aplicativos mais disseminados de relaxamento, meditação, registro de pensamentos e emoções, auxiliando nas nossas atividades, funcionando como de automonitoramento e auto-intervenção. E também temos dispositivos no celular que permitem, por exemplo, obter dados em tempo real sobre o grau de atividade física do paciente. Temos um enorme conjunto de evidências que sugere que a atividade física é bastante eficaz na redução de sintomas de reatividade fisiológica de pacientes de PTSD e vários outros transtornos, e também sintomas de hesitação. Poderíamos monitorar o paciente em tempo real e saber o quanto ou que dose de atividade física ele está fazendo, e ter lembretes ou incentivos sendo dados em tempo real para o paciente fazer aquilo que foi combinado durante a sessão.

 

Hoje, quando vamos fazer uma avaliação, levamos um tempão fazendo entrevistas, depois aplicando um conjunto de questionários, sempre dependendo do paciente responder a isso e tendo que estar ali presente. Então, em substituição ao terapeuta podemos ter programas de intervenções específicas. Para estresse pós-traumático, por exemplo, estão sendo desenvolvidas interfaces em que um avatar, um humano virtual, faz uma primeira entrevista e fornece um conjunto de orientações básicas sobre o transtorno. Assim, o paciente pode ser diagnosticado conversando com este avatar, ter reconhecidas algumas de suas necessidades mais urgentes e receber orientações muito básicas, mas já bastante eficazes, dele.

 

Sim, vão ser como um primeiro “psicólogo” com quem o paciente se consulta, já prescrevendo intervenções simples mas muito eficazes, agilizando o atendimento. São ferramentas que podem ser aplicadas, por exemplo, num cenário imaginário de um atirador neste congresso. São 5 mil pessoas aqui, entre elas muitas que podem desenvolver algum transtorno por isso. Como vamos identificá-las? Vamos entrevistar agora 5 mil pessoas? Não vai dar. Mas poderíamos pedir para eles responderem três, quatro perguntas simples num site, nos seus próprios celulares, e com um sistema de inteligência artificial analisar as respostas e identificar as que têm risco elevado, as que têm risco baixo e as que têm risco zero de desenvolver um transtorno em razão desta experiência traumática, como uma ferramenta de triagem e diagnóstico de amplo alcance. E aí as que estão em risco elevado vão para uma entrevista com um profissional. Não temos profissionais para ouvir essas 5 mil pessoas tão rápido, mas podemos, após a triagem, concentrar o recurso escasso do psicoterapeuta em quem está sob maior risco e não “desperdiçar”, de certa forma, seu tempo com quem tem um risco zero de desenvolver um transtorno.

 

Sim, os custos desta tecnologia vêm caindo bastante, principalmente graças aos investimentos de empresas como Google, Samsung e Facebook. Hoje com US$ 600 você compra óculos com processamento superior a equipamentos que custariam US$ 20 mil há dez anos, preço que tornava impraticável sua disseminação nos consultórios. E temos também dispositivos em que se pode adaptar smartphones para ter acesso a ambientes de realidade virtual, o que vai permitir o uso desta tecnologia em escala muito grande. Acho que ainda não conseguimos dimensionar quanto isso vai revolucionar a atenção em saúde mental nos próximos anos.

 

Sim, esse é outro efeito benéfico que a tecnologia por trazer para a área de saúde mental, especialmente em situações que envolvem agressões interpessoais, como violência doméstica, abuso sexual, maus-tratos. São situações que têm fortes elementos de culpa, vergonha, raiva que impedem ou dificultam que a vítima busque ajuda por exigir que ela exponha esses sentimentos a outra pessoa claramente, mas que ela pode se sentir mais confortável de externar pela primeira vez a uma máquina.

*O repórter viajou a convite da CCM, organizadora do Brain 2018


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