09/11/2021 às 12h08min - Atualizada em 15/11/2021 às 00h01min

COP26: é preciso agir!  Demagogia não salvará o planeta!

Dom Erwin Kräutler - Presidente da REPAM-Brasil

SALA DA NOTÍCIA REPAM
Assessoria REPAM




A 26ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP26, deveria ter sido realizada em 2020. Mas, à época, o edifício que acolheria o evento na capital escocesa, Glasgow, se transformou em hospital de campanha para tratar doentes de Covid-19. Agora, embora a pandemia não tenha se encerrado de fato, os leitos da enfermaria foram desocupados e a conferência pode, finalmente, ser realizada. A COP26 tem a tarefa urgente de repetir aquele grito do anjo que porta do selo de Deus: “não prejudiquem a terra, o mar e as árvores” (Ap 7,3). E nós temos o compromisso de fazer com que ele seja ouvido.
                Como todos sabemos, o clarividente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indica que o aquecimento global deverá chegar a 1,5° acima dos níveis pré-industriais entre 2030 e 2050. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) prevê 2,7° até o final do século. Atualmente, estamos cerca de 1,0° acima dos níveis pré-industriais e já conhecemos os resultados catastróficos. Para nós, brasileiros e brasileiras, o pior deles é, certamente, a diminuição das águas. Os reservatórios que irrigam as cidades, a produção de alimentos e a energia elétrica brasileira dependem das chuvas. Mas, as nascentes e córregos estão secando, e os períodos de estiagem ficando cada vez maiores. São os primeiros frutos do desmatamento e do aquecimento global.
A COP26 acontece para que os governos de 196 países assumam, conjuntamente, compromissos que  mormente  incidam sobre essas duas pautas: a redução da emissão de gases de efeito estufa por queima de combustíveis fósseis e a contenção do desmatamento. Os países presentes em Paris, em 2015, por ocasião da COP21, acordaram que estabeleceram medidas para conter o aquecimento global em 1,5°. Líderes das mesmas nações, agora, se encontram novamente para estabelecerem um consenso que formalize o “livro de regras” do Acordo de Paris. E uma pauta central da discussão diz respeito ao artigo 6º, que sugere a regulamentação de um mercado internacional de carbono (CO2).
Esse debate em torno do mercado de carbono inclui a possibilidade de regulamentarem os chamados “offsets” florestais e agrícolas. Funcionaria mais ou menos assim: um país que emite muitos gases que geram o efeito estufa poderá pagar pelo direito de continuar emitindo. E pagará a outro país que tenha florestas preservadas. Assim, o emissor abateria de sua meta de redução de emissões de carbono aquilo que uma floresta noutro país ou continente absorvesse. É verdade que as florestas absorvem duas vezes mais carbono do que o emitem e, por isso, funcionam como um sumidouro de CO2, motivo pelo qual elas reduzem o efeito estufa. Mas é verdade também que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais publicou recentemente um estudo que prova que, em lugares bastante desmatados na Amazônia, há mais emissão que absorção de CO2. Se a floresta em pé absorve carbono, a tombada emite. Isso significa que o momento é crucial para a sobrevivência da espécie humana na terra, uma vez que o desmatamento e o aquecimento se retroalimentam e poderão chegar a níveis incontornáveis.
O fato é que interesses diversos e contrastantes se encontrarão na COP26. Há países que insistem em continuar explorando aquilo que eles chamam de “recursos naturais” até que tudo se esgote definitivamente. Há outros que querem conjugar exploração e causas ecológicas de modo a transformar o meio ambiente em mais uma pauta do mercado. E há, finalmente, grupos preocupados com a vida das gerações futuras que, certamente, pedirão contas de nossa responsabilidade. Esses últimos propõem uma conversão radical biossocioeconômica que regule o desmatamento e a queima de combustíveis fósseis para cumprir assim o Acordo de Paris – frear o aquecimento em 1,5° – e garantir condições climáticas que permitam a continuidade da espécie humana.
Nós, enquanto Igreja na Amazônia, estamos, em comunhão com o Papa Francisco, entre estes últimos. Mas, sabemos que os discursos econômicos atraem mais interesses a curto prazo, embora também saibamos que eles não resolvem o problema. Na prática, a compra e venda de créditos de carbono terá duas consequências. A primeira é a imposição extrema da lógica capitalista sobre todas as terras. É como proibir a existência de terras que não sejam transformadas em comércio. A terra deixa de existir em função da vida para existir, unicamente, em função do negócio. Isso permitirá que os países que mais poluem continuem poluindo. E talvez seja mais barato para eles comprar créditos de CO2 do que reduzir a queima de combustíveis fósseis. Logo, preferiram pagar. E o planeta continuará caminhando para o fim. A segunda consequência é a continuidade da lógica de exploração dos países pobres pelos países ricos como acontece no caso da mineração.
Sabemos que o consenso aparentemente existente entre nações e organizações acerca da proteção da Amazônia é falso. Fala-se de proteção, mas a ela antepõe-se o lucro advindo do desmatamento com vistas na produção de carne bovina, soja e na mineração. Vale recordar que é tudo para o mercado estrangeiro; não estamos falando de alimentos, mas de commodities. E os beneficiados financeiramente são aqueles mesmos que advogam, em manchetes, pela preservação ambiental. No entanto, além disso, o Brasil tem, atualmente, um governo que atua sob a mesma lógica: a da mentira, a das fake news.
                A COP26 é composta por dois eventos principais. Um é a negociação dos líderes mundiais em torno do Acordo de Paris. O outro é a grande feira de exposição dos projetos e ações desenvolvidas pelas nações. O governo brasileiro alugou um stand com exorbitantes 200 m², que servirá para expor aquilo que o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, chamou de “Brasil real” – no qual as florestas são preservadas e a indústria é sustentável: um país fictício. Todos os grandes projetos baseiam-se em decretos (10.845 e 10.846 de 25/10/21) assinados na semana anterior à conferência, mas que são como embalagens vazias. Falam de economia verde e preocupações ecológicas, mas não indicam ações concretas e nem de onde advirão os recursos previstos no orçamento.
Trata-se de falsas soluções que o governo brasileiro apresentará para melhorar sua imagem diante do mundo no pouco tempo que lhe resta. Afinal, o que ele promoveu foi o desmonte dos órgãos fiscalizadores para agradar a bancada ruralista e expandir as fronteiras do agronegócio sobre terras griladas, territórios indígenas, quilombolas e outras reservas. Não é segredo para o mundo que o atual governo atua como um trator sobre o Brasil a fim de abrir as porteiras “para a boiada passar”. Ele tem fome de lucros, como é próprio da política neoliberal, e nenhuma preocupação com o futuro. Por isso, não há planejamento, controle e governança com vistas à preservação real.
É fato também que o “trator” e a “boiada” não são de interesse exclusivo do poder executivo. No legislativo tramitam projetos como o PL da Grilagem (2633/20), que favorece a impunidade para crimes ambientais, e o PL 490 que inviabiliza a demarcação de terras indígenas. São pautas que, entre outras, incidem diretamente sobre o ataque aos Direitos Humanos e a violência no campo – a mesma que matou, em 2005, a irmã Dorothy Stang, em Anapu, no Pará. Mas, sobretudo, tais pautas aceleram o desmatamento e a destruição de ecossistemas. É trágico que boa parte da delegação brasileira enviada à COP26, ligada ao agronegócio, compareça em nome dessa agenda preocupada mais com questões de financiamento do que com as pautas climáticas e socioambientais. A demagogia não salvará o planeta da catástrofe.
                Nossa fé em “Deus Pai criador do céu e da terra” exige de nós um comprometimento eficaz. Não sabemos as respostas. Mas, sabemos que a sabedoria ancestral dos povos que habitam e convivem com o ecossistema amazônico tem garantido a permanência das poucas ilhas de preservação remanescentes na Amazônia. Por isso, afirmamos que a única esperança de salvação reside sobre o modelo de relação desses povos com a natureza. Ou aprendemos a conviver e a produzir harmoniosamente com os nossos biomas – não somente a Amazônia, mas também e especialmente o cerrado e a mata atlântica – ou o futuro será calamitoso. A exploração desenfreada tem prazo para acabar. O agronegócio, sem água, sucumbirá junto com todo o resto. A desertificação anunciada acabará com os lucros, com a comida e com a vida. É preciso eleger políticos que se saibam responsáveis pelo futuro. É preciso cobrar medidas concretas da COP26 e dos líderes mundiais presentes nela. É preciso entender que viver é mais importante que lucrar.
 
Dom Erwin Kräutler
Presidente da REPAM-Brasil
 


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