11/07/2018 às 21h30min - Atualizada em 11/07/2018 às 21h30min

Transiberiana: Uma rápida visita à inóspita, fria e pequena Mogocha

Com pouco mais de 10 mil habitantes, cidade fica no extremo leste da Sibéria

Agência O Globo -
Agência O Globo -
Fotos: de Renato de Alexandrino

“Se Deus criou Sochi, o diabo criou Mogocha.” Esse dito popular russo me chamou a atenção quando eu procurava algum lugar para fazer uma parada no meio do caminho entre Ulan-Ude e Birobidjan. Se fosse direto de um ponto a outro, seriam nada menos que 52 horas de viagem. Mais do que dois dias confinado dentro de um trem. Temi pela minha sanidade mental, e resolvi fazer um pit stop. Em Mogocha, já no extremo leste da Sibéria.

As informações a respeito da cidade na internet são mínimas. Tem pouco mais de 10 mil habitantes, foi fundada em 1910, à época da construção da Ferrovia Transiberiana, já foi base de uma mineradora de ouro na região. E tem um inverno inclemente, com temperaturas de até 60 graus negativos. Um contraste absurdo com a agradável e litorânea Sochi, base da seleção brasileira durante sua passagem pela Copa do Mundo. Daí se originou o ditado que abre este texto.

Mesmo entre os amigos russos que fiz durante a viagem, Mogocha era uma incógnita. Ninguém sabia nada sobre a cidade, e em Ulan-Ude as pessoas haviam expressado temor com a minha ideia. Um estrangeiro andando sozinho nas ruas de uma cidadezinha no interior do interior do interior da Rússia? Recomendaram-me nem sair da estação ferroviária. Aguardar ali, em segurança, pelo trem que chegaria seis horas depois e me levaria a Birobidjan.

A viagem entre Ulan-Ude e Mogocha foi, como esperado, cansativa. Nada menos que 26 horas em uma cabine que tinha quatro russos, entre eles um casal com uma criança de três anos. Ativa, que queria brincar, conversar, explorar tudo. Descansar foi difícil, dormir, mais ainda. Nas duas paradas mais longas que o trem fez, de 30 minutos cada, chovia forte. Lá se foi, literalmente por água abaixo, a oportunidade para sair do vagão, esticar as pernas e comprar algum lanche. Não há TV a bordo, e a internet pega esporadicamente, quando o trem passa perto de alguma cidade. Não sei quem foi pra final, e estou um pouco perdido nas notícias. É verdade que Celso Roth assumiu a seleção da Argentina?

apenas um café

Claro que sempre pode piorar. Cheguei a Mogocha, e a chuva que caía lá, caía cá. Tudo bem, não fazia -60 graus, mas o clima não era nada agradável. A estação ferroviária tinha estrutura quase zero. Uma sala de espera de cerca de 10m², e pronto. Mas consegui achar um lugar para deixar a mala e decidi sair para explorar Mogocha.

A fome estava apertando, e resolvi buscar, em um aplicativo do celular, dicas de restaurantes. Havia apenas um. Estava fechado e abria às 11h de... segunda-feira. Era manhã de domingo ainda. É, não era mesmo meu dia. Saí então caminhando pelas ruas próximas da estação. Nada. Nenhuma viva alma. Os 10 mil habitantes de Mogocha deviam estar aproveitando a chuva para dormir até mais tarde. Pensei nisso e senti uma pontinha de inveja. Nem algum possível assaltante havia saído da cama com aquele tempo. Um cachorro latindo foi o máximo de atenção que despertei.

Mas o anjo da guarda do viajante transiberiano resolveu acordar, e colocou um café no meu caminho. Daquele tipo de aparência estranha, em que você jamais pensaria em entrar, mas era aquilo ou nada. Entrei. A atendente me cumprimentou, e respondi com aquele sorriso que diz ao mesmo tempo “Olá” e “Não entendi nada do que você falou”.

Seria mais fácil encontrar em Mogocha alguém falando esperanto do que inglês. Não consegui pedir o misto quente com o qual estava sonhando — duvido até que eles tivessem algo parecido ali —, mas me virei com um café honesto e alguns croissants. Posso dizer que sobrevivi a Mogocha.

 


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