05/07/2018 às 16h20min - Atualizada em 05/07/2018 às 16h20min

Indesejados em seu país de origem, mulheres e filhos do EI vivem presos na Síria

Sem poderem deixar o país, famílias inteiras ficam no limbo jurídico depois que seus maridos morreram na guerra

Agência O Globo -
Agência O Globo -

CAMPO DE ROJ, SÍRIA — Quando seu marido arrancou toda a família do Marrocos para viver sob o poder do Estado Islâmico (EI) na Síria, Sarah Ibrahim teve pouca escolha além de ir junto. Depois que ele desapareceu — ela acredita que tenha sido morto em um ataque aéreo em uma prisão — ela fugiu com seus dois filhos. Mas foram capturados no ano passado e são mantidos desde então em um campo de detenção empoeirado e sufocante no nordeste da Síria. Agora, estão entre as mais de 2 mil mulheres e crianças estrangeiras presas em um limbo jurídico e político sem saída previsível.

Seus países de origem não os querem de volta, temendo que possam disseminar a ideologia radical islâmica. As autoridades curdas que administram esta zona de guerra sem estado também não — dizem que não é seu trabalho deter indefinidamente cidadãos de outros países.

— Eles nos disseram para deixar o EI e quando nós fomos embora ainda somos considerados do grupo. — disse Sarah, 31 anos, aos prantos. — Então quem é responsável por nós? Quem determinará nosso destino?

O califado do Estado Islâmico, que já se estendeu por grandes trechos da Síria e do Iraque, atraiu dezenas de milhares de partidários de todo o mundo que vieram lutar ou viver no que foi considerada uma sociedade pura islâmica. Entre eles havia muitas mulheres, algumas trazidas pelos maridos ou pais. Outras vieram sozinhas e se casaram, ou foram forçadas a se casar depois que chegaram.

Mas quando o califado entrou em colapso graças a uma campanha militar de milícias curdas, apoiadas por uma coalizão militar liderada pelos EUA, muitos deles foram mortos ou capturados. As esposas e filhos que sobreviveram acabaram em acampamentos, indesejados por todos.

— Estamos trabalhando de forma responsável, mas a comunidade internacional está tentando fugir de suas responsabilidades — afirmou Abdul-Karim Omar, um funcionário local encarregado de persuadir os governos a retirarem seus cidadãos, um esforço que ele reconhece não ter sido muito bem sucedido. — Esta é uma bola de fogo que todo mundo está tentando se livrar e joga para nós.

A ausência de qualquer plano para lidar com os detidos faz parte de um caos ainda maior nas terras libertadas dos jihadistas. No Iraque, muitas das mulheres que viveram entre os soldados enfrentaram julgamentos rápidos e sentenças de morte sob a acusação de apoiar o Estado Islâmico. Na Síria, tornaram-se prisioneiras em acampamentos sujos em uma área sob o controle de nenhuma autoridade reconhecida internacionalmente que possa pressionar seus países de origem a recebê-las de volta.

Em uma rara visita ao maior desses campos, conhecido como Roj, autoridades curdas nos permitiram conversar com mulheres árabes, mas se recusaram a nos deixar entrevistar ou fotografar ocidentais por medo de complicar as negociações com seus governos sobre seu retorno para casa. Mas durante uma caminhada pelo acampamento, falamos informalmente com mulheres da França, Alemanha, Dinamarca, Holanda e vários países árabes. Alguns disseram que seus maridos os forçaram a ir para a Síria. Outras disseram que a viagem foi um erro, pelo qual seus filhos estavam pagando.

— É claro que cometemos erros, mas qualquer um pode errar — disse uma alemã de 24 anos que foi para a Síria com o marido e teve três filhos.

Como muitas mulheres no acampamento, ela reconheceu que tinha vindo voluntariamente, mas contou que a vida com os jihadistas tinha sido pior do que ela esperava e que, uma vez lá, era impossível fugir.

— Não havia como ir embora. Ou você vai para a prisão ou eles matam você.

Uma das francesas, de 28 anos e mãe de três filhos, classificou a aventura na Síria como um enorme erro.

— Nós não merecemos, como se chama, a redenção? — perguntou.

Os governos estrangeiros, incluindo os Estados Unidos, dão alguma ajuda, mas é uma ninharia se comparada com o que eles gastaram na campanha militar. E a questão dos detidos é particularmente espinhosa, dados os riscos de segurança de manter jihadistas experientes e as mulheres e crianças que viviam com eles em uma zona de guerra. Segundo Omar, a administração local prendeu mais de 400 combatentes e os EUA estão ajudando a financiar sua detenção para evitar interrupções nas prisões.

Mas a administração recebeu pouca ajuda para lidar com as mulheres e crianças que agora são mantidas em três campos.


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