04/03/2019 às 21h02min - Atualizada em 04/03/2019 às 21h02min

Na China, tecnologia de reconhecimento facial chega às fazendas de criação de porcos

Empresas defendem que uso da inteligência artificial pode detectar doenças e facilitar dia a dia dos produtores

New York Times
Fotos fornecidas por empresas chinesas de tecnologia de reconhecimento facial de porcos em fazendas de criação Foto: Divulgação/NYT
NOVA YORK — Um banco de dados de rostos de porcos. Aparelhos de reconhecimento de voz capazes de detectar suínos com tosse. Robôs que fornecem exatamente a quantidade necessária de alimentos. Essa poderia ser perfeitamente a descrição de uma fazenda do futuro na China. No Ano do Porco chinês, companhias do país asiático estão investindo no reconhecimento facial, de voz e em outras tecnologias avançadas para proteger a população de suínos do país, em um momento no qual muitos estão morrendo vítimas da chamada peste africana.
O problema ameaça o fornecimento de carne de porco, um elemento fundamental na mesa dos chineses. Para conter o avanço das doenças, o pujante setor tecnológico do país utiliza as mesmas técnicas que transformaram o cotidiano do país - como, por exemplo, a crescente vigilância e espionagem do governo chinês sobre sua própria população - para garantir a saúde dos porcos.

— Se eles não estão felizes e não estão comendo bem, em alguns casos é possível prever se o porco está doente — explica Jackson He, diretor executivo da Yingzi Technology, uma pequena companhia sediada em Guangzhou, no Sul da China.

Os esforços em mimar os porcos também estão na mira das grandes companhias chinesas. O Alibaba, gigante do comércio eletrônico, e a JD.com, seu principal rival, estão usando câmeras para identificar os rostos dos animais. Eventuais tosses também são monitoradas pelo Alibaba por meio de tecnologias de reconhecimento de voz.

Dúvidas sobre a eficácia da técnica

Na China, apela-se para soluções tecnológicas para resolver qualquer coisa. A revolução digital transformou o país ao permitir que quase tudo - serviços financeiros, manicure e banho de cachorros - seja resolvido pelo smartphone. O reconhecimento facial foi implementado em banheiros públicos para distribuir papel higiênico, em estações de trem para prender criminosos e em condomínios residenciais para liberar o acesso aos moradores.
 

Para alguns, no entanto, a empreitada suína pode ser um tanto prematura.

— Eu gosto do conceito, mas é necessário comprovar se a técnica funciona — opina Dirk Pfeiffer, professor de epidemiologia veterinária na Universidade Municipal de Hong Kong. — Caso não funcione, a ideia é contraproducente.

O reconhecimento facial não se mostrará útil, a não ser que a China detenha um banco de dados de rostos de porcos capazes de interpretar seus movimentos, explica o acadêmico. Para ele, a tecnologia não funciona, “já que o animal está no matadouro, onde é cortado em pedaços”.

— Dessa forma, como fazer uma conexão entre a cabeça  o resto da carcaça? — questiona Pfeiffer.

Muitos fazendeiros chineses que criam porcos também se mostram céticos. A China se vê diante do fechamento de muitas propriedades de pequeno porte, sob a alegação do governo de que poluem o meio  ambiente. Ainda há, no entanto, 26 milhões de fazendas desse tipo no país, o equivalente à metade dos criadouros de suínos, segundo especialistas e o Ministério da Agricultura.

— Não investiremos nesse tipo de coisa — afima Wang Wenjun, fazendeiro de 27 anos que se tornou famoso nas redes sociais depois de publicar um vídeo cantando para seus porcos. — A não ser que se trate de uma propriedade de grande escala, fazendas que têm apenas algumas centenas de porcos não verão utilidade nessas tecnologias.
 

O governo chinês, de forma geral, tem apoiado o uso da tecnologia em fazendas. No seu mais recente plano econômico quinquenal, Pequim defende um maior uso de robôs e tecnologias de redes no setor. Em outubro do ano passado, o Conselho de Estado declarou seu desejo de promover “fazendas inteligentes” e a aplicação de tecnologias de informação na agricultura.

Em agosto, autoridades agrícolas de Pequim defenderam a criação de porcos “de maneira inteligente”, usando inteligência artificial, bases de dados seguras, computação na nuvem e tecnologia de dados. Quando uma peste suína de origem africana se alastrou pelas fazendas, as empresas de tecnologia viram uma oportunidade. Não há vacina ou cura conhecidas para a doença, transmitida pelo contato entre animais ou mesmo por meio de produtos de origem suína. A peste não é afeta seres humanos, mas circula no organismo.

Por causa da doença, a China já sacrificou cerca de um milhão de porcos e ergueu barreiras para evitar a disseminação da doença, sem sucesso. O país é o maior criador de porcos do mundo, com cerca de 400 milhões de suínos, e é o maior consumidor global dessa carne. O alimento é tão importante para a culinária que o governo mantém uma reserva própria em caso de escassez.

Notificação de doenças e localização

As empresas garantem que são capazes de ajudar os fazendeiros a isolarem os portadores da peste, reduzir os custos de alimentação, aumentar a fertilidade das fêmeas e diminuir o número de mortes não naturais. O sistema da JD.com usa robôs para alimentar os porcos com uma quantidade precisa de comida. A SmartAHC, que usa inteligência artificial para monitorar os sinais vitais, tem instrumentos capazes de prever o prazo de ovulação.
 

A companhia defende suas técnicas como alternativa à marcação dos porcos pela orelha, algo considerado cruel por muitos criadores. Seus representantes afirmam que, embora as etiquetas custem muito menos para o produtor, o mecanismo pode ser manipulado por seres humanos ou cair durante brigas entre os animais.

O reconhecimento facial oferecido pela JD.com é capaz de detectar se um porco está doente e pode ajudar no diagnóstico, segundo a porta-voz da companhia, Lu Yishan. O sistema notifica o criador, que, por sua vez, pode prescrever um tratamento. A empresa afirma que o sistema, implantado em uma fazenda na província de Hebei, no norte da China, em parceria com a Universidade Agricultural da China, já está disponível para fazendeiros interessados.

Já os monitores da Alibaba acompanham a atividade dos suínos e permitem que fazendeiros saibam a localização do animal em tempo real. Assim, o sistema é capaz de sugerir um plano de exercícios para fortalecer a saúde.

O reconhecimento facial de um porco funciona da mesma forma que o de um humano, segundo as companhias que detêm essa tecnologia. Scanners e softwares reconhecem o pelo, o focinho, os olhos e as orelhas. Essas características são mapeadas.

— Os porcos são diferentes. Exatamente como um rosto humano é diferente do outro — explica He, da Yingzi, completando que os animais não são tão iguais uns aos outros se os instrumentos souberem pelo que procurar.
 

A tecnologia da Yingzi, diz He, não é capaz de eliminar a febre suína, mas pode ajudar os fazendeiros a detectá-la mais cedo.

Custo elevado é problema

No entanto, essas promessas não são consenso no setor de tecnologia agropecuária. Chen Haokai, fundador da SmartAHD, afirma que fazendeiros não têm necessidade do reconhecimento facial. Segundo ele, o custo do mapeamento do rosto de um porco gira em torno de US$ 7, contra apenas US$ 0,30 por uma etiqueta na orelha:

— Os custos do mapeamento dos porcos excede muito o valor da marcação dos animais.

Por outro lado, Wang Lixian, um pesquisador de ciência veterinária e animal da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas, está otimista. Ele acredita que o custo dessas tecnologias cairá no futuro.

— Neste momento, a procura pode não ter atingido níveis desejáveis, mas, no futuro, esses instrumentos se tornarão cada vez mais comuns — aposta Wang.

 


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