— Desta vez, a perda de vidas humanas é colossal. Mas isso não significa que o dano ambiental seja pequeno, ao contrário. Florestas de enorme importância hídrica e para a biodiversidade foram perdidas. O dano ambiental fará sofrer população e natureza por muitos anos — afirma Servio Pontes Ribeiro, professor de ecologia da saúde da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que estuda o impacto do desastre de Mariana e agora se debruça sobre o de Brumadinho.
A lama da Vale afetou, destacam cientistas, algumas das últimas áreas significativas de Mata Atlântica e Cerrado de Minas, dentro da Reserva da Biosfera da Unesco da Serra do Espinhaço. O lugar é considerado um refúgio de vida selvagem. Delas vem a água que dá de beber a homens e animais. Sem bichos que semeiam as árvores não há floresta, sem floresta não há água. E sem água, perecem os homens. Guimarães Rosa, que se criou nas terras do sertão do Paraopeba, foi profético sobre sua terra natal. Viver sob as barragens de mineração, é mesmo muito perigoso.
A lama desce lentamente, mas não vai parar, alerta Ribeiro. E, desta vez, afetou o Paraopeba, um rio até então mais saudável que o Doce e seus tributários, arrasados pela barragem da Samarco, em 2015. Não se sabe o quanto de lama se entranhará no leito do Paraopeba, um rio que era a reserva da região metropolitana de Belo Horizonte para as secas, acrescenta Ribeiro.
Ao matar a vida microbiana no solo e no leito dos rios, o impacto ambiental ganha profundidade e duração de décadas, avalia Vasco Azevedo, cujo grupo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) investiga a relação entre o desastre de Mariana e casos de dengue, zika e febre amarela.
Análise preliminar do Ibama indicou que 2,6 milhões de metros quadrados de mata foram destruídos pela lama. Essas eram algumas das melhores florestas de Minas, frisa Yasmine Antonini, ecóloga e especialista em matas protetoras de cursos d’água do Departamento de Biodiversidade e Meio Ambiente da UFOP e que também estuda o impacto do desastre de Mariana.
O governo de Minas recomendou às pessoas não beberem a água do Rio Paraopeba, devastado pela barragem da Vale. Mas animais não assistem à TV. E não têm outra água para beber se não aquela que agora está cheia de lama de minério. O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Paraopeba, Winston Caetano de Souza, observa que a área afetada era repleta de nascentes que alimentam o rio.
Yasmine Antonini salienta que os inventários de fauna e flora são incompletos, mas o pouco que sabe revela que ali existem árvores gigantescas e nobres da Mata Atlântica, como os jacarandás, plantas quase extintas do Cerrado e uma fauna rica o suficiente para sustentar animais de topo de cadeia, como a onça-parda e o lobo-guará. Porém, desde o fim de semana passado peixes agonizam e morrem sufocados em lama no Paraopeba.
Além das árvores arrancadas pelo tsunami de lama, o desastre afeta as florestas ao acumular rejeito. Segundo ela, pode acontecer então um fenômeno observado em Mariana. Lá árvores que não foram derrubadas se tornaram mortas em pé. A lama afoga as árvores ao penetrar no solo, explica Yasmine.
Do Paraopeba vem 53% da água da Região Metropolitana de Belo Horizonte, diz Souza. Ele deságua no São Francisco, na Barragem de Três Marias. Uma vez lá, pode deixar o Velho Chico ainda mais doente e levar o rejeito ao Semiárido nordestino, castigado pela seca.