10/03/2020 às 20h41min - Atualizada em 10/03/2020 às 20h41min

O que está por trás da alta recorde do risco-país, que mede a desconfiança do investidor estrangeiro sobre o Brasil

Ab Noticia News
BBC
EPA

Desde que as notícias a respeito do avanço global do coronavírus passaram a assustar o mercado financeiro em todo o mundo, piorou também a percepção do investidor estrangeiro a respeito do Brasil.

Nos primeiros dias de março, os indicadores que medem a desconfiança estrangeira nas economias emergentes, como a brasileira, apontaram piora para além da alta do dólar e da queda do mercado de ações, que nesta segunda-feira (9) teve a pior desvalorização do século.

A Bolsa de Valores de São Paulo chegou a ter as negociações suspensas temporariamente após atingir 10% de queda pouco depois do início do pregão — levando ao acionamento do mecanismo chamado de circuit breaker. O Ibovespa, principal índice da Bolsa, fechou o dia em queda de 12,17%, caindo a 86.067 pontos, a maior baixa percentual diária desde 10 de setembro de 1998. .

Só em março, a percepção de risco medida pelo CDS (Credit Default Swap) aumentou 75%, de 110 pontos para 193 pontos, segundo dados compilados pelo economista Joelson Sampaio, professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP). Só de sexta para segunda-feira, o indicador aumentou 33%.

A BBC News Brasil ouviu economistas para entender, na prática, o que significa esta perda de confiança na economia brasileira.
 

Maneiras de medir

Além do CDS, outra maneira de medir o risco país é pelo indicador EMBI+, calculado pelo banco de investimentos JP Morgan desde 2004 e que é um índice baseado nos bônus (títulos de dívida) emitidos pelos países emergentes. Segundo o Ipeadata, o indicador começou o ano em 218 pontos, chegou a bater os 252 pontos no fim de fevereiro e 247 pontos no início de março.

Na prática, o que o indicador sinaliza é o quanto a mais um investidor exigiria receber em um título brasileiro na comparação com o título dos EUA, considerado o mais seguro do mundo.

Os pontos calculam o spread soberano, que é a diferença entre a taxa de retorno dos títulos de países emergentes e a oferecida por títulos emitidos pelo Tesouro americano. O cálculo considera uma cesta de títulos de cada país.

"O risco país mede o spread entre a taxa do bônus soberano público com um dado período de vencimento em relação a um título americano. O spread mostra o quanto você está disposto a bancar para ficar com o risco de levar um default (calote) em cima de um papel", explica o professor do Insper, Fernando Ribeiro.

No período pré-eleitoral de 2002, quando as incertezas em relação ao futuro do país eram grandes no exterior, o risco-país chegou a subir para 2.436 pontos.

Sampaio diz que, embora o risco-país seja um indicador importante para se analisar a postura dos investidores para além da Bovespa e do dólar, é uma medida muito volátil, que reage de maneira rápida e intensa. Não significa, por exemplo, que o aumento do risco país representará, na mesma intensidade, um impacto na economia real. "O mercado reage rápido de forma intensiva, mas essa velocidade não reflete o lado real", diz. "Interessante é ter um pouco de cautela".

Paulo Guedes, ministro da Economia

Paulo Guedes, ministro da Economia

Direito de imagemREUTERS
Image captionCrescimento da economia brasileira em 2019 decepcionou investidores

Medo global

Para o economista Rodrigo De Losso, Ph.D. em economia pela Universidade de Chicago (EUA) e professor titular da FEA/USP, a piora dos indicadores de risco refletem majoritariamente a piora do cenário global. Embora a economia do Brasil esteja crescendo lentamente e o crescimento de 1,1% do PIB tenha decepcionado as expectativas de grande parte dos analistas, tal decepção já estava precificada.

De Losso destaca que, antes das notícias sobre o espalhamento global do coronavírus, o risco país vinha caindo a mínimas históricas. "Até dias atrás estávamos na menor diferença possível ao longo de todos esses anos.

Por causa do coronavírus e do petróleo, os agentes estão percebendo que o país está mais vulnerável, porque vai ter mais dificuldade para exportar, a China vai exportar menos e isso pode gerar uma dificuldade para o país", diz.

Ele pondera, inclusive, que ainda é preciso esperar para saber se a reação dos mercados é exagerada, ou se realmente o efeito do novo vírus levará a economia global ao risco de uma nova depressão.

Para Fernando Ribeiro, do Insper, o fato de o cenário global ser o principal elemento do noticiário econômico dos últimos meses não isenta a participação doméstica na percepção de risco dos investidores.

Para Ribeiro, o crescimento baixo da economia aliado à paralisação das reformas desde a reforma da Previdência também geram incerteza em relação à trajetória das contas públicas brasileiras.

"Eu acho que estamos em uma sobreposição de dois elementos de mal-estar: um lá fora e um doméstico", diz. "Se estivesse tudo bem no Brasil, o risco país subiria diante dessa turbulência global, mas não subiria tanto", analisa.

Diz que pesam contra o Brasil, além do desempenho fraco da economia, "um poder Executivo que se esmera em entrar em embates com o poder legislativo e não em encaminhar uma agenda ao Congresso. E que foi se perdendo no caminho que tinha para a política econômica".

Ribeiro diz que, depois da reforma da Previdência, pouca coisa mudou no sentido de acelerar a economia e melhorar o desempenho das contas públicas do Brasil. "Mas a sensação dos empresários é que você tinha que assumir com uma tônica para onde ir, começou a trilhar isso e depois parou. Uma economia que cresceu pouco, testa os limites da democracia".

 
 


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