05/11/2018 às 11h12min - Atualizada em 05/11/2018 às 11h12min

Acesso à internet cai no mundo e ameaça meta da ONU para 2020

Crescimento da conexão recua a 5,7% no ano passado. Brasil perde sete posições em ranking, para o 13º lugar

O Globo Sérgio Matsuura
Celulares ampliaram acesso à internet, mas preços ainda deixam metade do mundo fora da rede Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Pela internet as pessoas se encontram, fazem negócios, acessam serviços e empreendem, porém mais da metade da população mundial ainda está offline. E números que farão parte de relatório da Web Foundation, que será apresentado no próximo dia 5 durante reunião da União Internacional de Telecomunicações (UIT), indicam uma desaceleração no avanço da rede. Impulsionadas pelos celulares e smartphones, as taxas de crescimento atingiram pico de 19,2% em 2007, se mantiveram por anos na casa dos dois dígitos, mas despencaram para apenas 5,7% no ano passado. Neste cenário, as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para o setor, que eram ambiciosas, tornam-se praticamente impossíveis de serem alcançadas.
Surfando no otimismo de anos atrás, a UIT — agência da ONU especializada em tecnologias de informação e comunicação — previu em 2014 que mais da metade da população mundial estaria conectada em 2017. Mas a realidade mostrou que dos 7,6 bilhões de habitantes do planeta, apenas 3,6 bilhões estão na rede. Segundo Sonia Jorge, diretora executiva da Alliance for Affordable Internet — iniciativa da Web Foundation, organização criada pelo inventor da World Wide Web, Tim Berners-Lee —, a estimativa atual é que apenas em maio de 2019 metade da população mundial estará on-line. Isso torna inviável o cumprimento da meta acordada pela Assembleia das Nações Unidas, de “oferecer acesso universal e a preços acessíveis à internet nos países menos desenvolvidos, até 2020”.

— A desaceleração se deve a vários fatores, sendo o custo um dos principais. Pelos preços atuais cobrados pelo acesso à rede, é muito difícil conectar os desconectados — analisou Sonia. — As políticas públicas não estão criando as condições certas para que os custos baixem para os usuários na velocidade necessária.

Em relatório publicado nesta semana, a Alliance for Affordable Internet destaca que a “incapacidade para pagar por uma conexão básica de internet continua uma das maiores — e solucionáveis — barreiras ao acesso”. No mundo, mais de dois bilhões de pessoas vivem em países onde pacotes básicos são inacessíveis para a maior parcela da população. Entre os 61 países de renda média ou baixa pesquisados, apenas 24 alcançaram a meta conhecida como “1 para 2”, de 1 GB de dados móveis custando até 2% da renda média, considerada o corte para acessibilidade. Na média geral, os pacotes de 1 GB de dados móveis custam 5,5% da renda mensal.
 

Brasil é destaque negativo

O estudo avalia a acessibilidade à internet considerando a infraestrutura existente e os cronogramas dos projetos de expansão; e as taxas de adoção da banda larga e as políticas de ampliação do acesso. No ranking, o Brasil é apontado como um exemplo negativo na edição deste ano, ocupando apenas a 13ª posição, sendo que em 2016 estava na 2ª e, ano passado, na 6ª.

“Esta queda é resultado de uma série de fatores, incluindo a desaceleração nas taxas de adoção de smartphones e atrasos contínuos na implementação de novas regras para instalação de torres”, afirma o relatório, que coloca o país atrás de vizinhos da América Latina, como Argentina, Colômbia, Peru, Equador e México.

— O Brasil tem sido vítima da crise política e econômica — comentou Sonia.

 

EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO CONECTADA
Número global de pessoas na rede continua a crescer, porém em ritmo mais lento
EM BILHÕES DE PESSOAS
3,578
3,385
1,991
1,024
2005
06
07
08
09
2010
11
12
13
14
2015
16
2017
Taxa de variação anual
12,0%
19,2%
13,2%
11,8%
15,1%
9,7%
11%
8,5%
9,5%
9,4%
7,5%
5,7%
Fonte: UIT/ONU

 

Em relação ao custo da conexão, o Brasil já superou a meta “1 para 2”. Entretanto, ressaltou Sonia, por causa da desigualdade social esse número mascara a exclusão das camadas mais populares. Enquanto para os 20% mais ricos o preço de 1 GB representa 0,6% da renda média mensal, entre os 20% mais pobres o mesmo pacote custa 9,4% da renda, quase cinco vezes o valor considerado acessível. Existe ainda o problema da falta de infraestrutura em regiões remotas, onde o investimento pela iniciativa privada é inviável pelo baixo retorno de assinantes.
 

— O Brasil precisa pensar em como criar parcerias para áreas não atraentes para o mercado, para que as operadoras possam chegar às regiões descobertas pela rede — analisou Sonia. — A exclusão digital afeta exatamente a parcela da população que mais teria a ganhar com a internet, com acesso a serviços públicos e a ferramentas de geração de renda.

O entregador Ojarçon Tenorio, de 40 anos, sofre para encaixar um acesso de qualidade no orçamento. Ele assina um plano semanal, pago a cada sete dias, mas assistir vídeos no YouTube, sua principal atividade na rede, muitas vezes é “impraticável”.

— Para ter um serviço melhor, fica muito mais caro, não cabe no meu orçamento. Eu recebo numa faixa de R$ 1.500, não posso gastar muito com isso.

Dados da pesquisa TIC Domicílios, elaborada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação  (Cetic.br), mostram que no Brasil a curva do percentual da população conectada continua crescendo, avançando seis pontos percentuais entre 2016 e 2017. No início da série histórica, em 2008, 34% dos brasileiros estavam conectados, taxa que subiu para 67% ano passado.

Crescimento com 'desigualdades perenes'

Entretanto, a segmentação por classe social e área urbana e rural revela a desigualdade no acesso. Segundo Winston Oyadomari, coordenador do estudo, apesar dos planos pré-pagos, apenas 42% dos entrevistados das classes D e E estão na rede. E nas zonas afastadas dos grandes centros, além do preço existe a infraestrutura deficiente. O resultado é que 66% dos moradores de áreas rurais estão fora da internet.
 

— O cenário brasileiro é de crescimento constante, mas com desigualdades perenes — afirmou Oyadomari.

Morador de Coari, cidade ribeirinha a um dia de viagem de balsa de Manaus, no Amazonas, o enfermeiro Marcelo Brendew sofre com essa realidade. As redes de telefonia móvel estão instaladas, mas a conexão por dados móveis é precária, e os pacotes de banda larga fixa têm preços inacessíveis: o plano de 1 Mbps de velocidade custa R$ 449 por mês.

— Pelo celular, às vezes, dá para enviar e receber mensagens de WhatsApp e checar o e-mail. Vídeos, nem pensar — contou Brendew. — A banda larga serve aos empresários, que precisam de internet. Para o povão, a solução é usar o Wi-Fi do trabalho.

 


 


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