09/02/2024 às 07h47min - Atualizada em 09/02/2024 às 07h50min

Por que Ozempic virou símbolo da desigualdade no tratamento da obesidade no Brasil

O remédio que se tornou fenômeno cultural e inaugurou uma nova era nos cuidados contra o excesso de peso escancarou um paradoxo: quem realmente tem acesso aos recursos terapêuticos que ajudam a alcançar um peso saudável?

AB NOTICIA NEWS
G1
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"Conheço vários casos de patroas com 24 de IMC que tomam o Ozempic toda semana, enquanto as empregadas domésticas delas têm 45 de IMC e seguem sem acesso aos remédios contra a obesidade."

O relato do endocrinologista Walmir Coutinho, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), resume um problema que deve se aprofundar cada vez mais nos próximos anos: a desigualdade no acesso a tratamentos contra a obesidade no Brasil.

E só para dar o contexto necessário à frase do médico, IMC é sigla para Índice de Massa Corporal, uma fórmula matemática que leva em conta o peso e a altura de um indivíduo para definir se ele está dentro ou fora dos parâmetros considerados saudáveis.

Quando essa conta fica entre 18 e 24,9, isso significa que a pessoa se enquadra nos valores esperados. Se o número varia entre 25 e 29,9, há um quadro de sobrepeso. Acima de 30, estamos diante de um caso de obesidade.

De um lado, esse campo da Medicina vive uma espécie de "era de ouro", com a aprovação de remédios como Ozempic, Wegovy e Mounjaro, que são capazes de reduzir o peso de um indivíduo em até 25% em alguns casos — algo impensável há poucos anos.

O problema é que essas opções farmacêuticas precisam ser tomadas de forma contínua e têm um preço elevado, o que as torna inacessíveis a boa parte da população (e difíceis de caber no orçamento da saúde pública).

Do outro, a obesidade já atinge um em cada cinco brasileiros — com a tendência de que esses números continuarão a subir pelos próximos anos, especialmente entre os mais pobres.

E, para completar, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não oferece nenhum tratamento medicamentoso contra a obesidade.

Mas como resolver essa equação? Será possível fechar essa conta e garantir o acesso aos remédios antiobesidade àqueles que mais precisam? A BBC News Brasil conversou com representantes de vários setores envolvidos neste debate para entender quais são as possíveis saídas diante deste dilema atual.

Uma transição de peso


O nutricionista e epidemiologista Rafael Claro explica que as doenças crônicas (diabetes, hipertensão, colesterol alto…) e a obesidade são problemas de saúde que estão historicamente ligados a grupos com condições socioeconômicas mais elevadas.

"E a lógica por trás disso é relativamente simples. Antigamente, o padrão de alimentação que conduz as pessoas à obesidade era caro. Para você ter acesso a alimentos ultraprocessados no passado, era preciso ter dinheiro", lembra o professor do Departamento de Nutrição da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"Além disso, o estilo de vida mais sedentário estava ligado a ocupações específicas, como o trabalho de escritório. E os lazeres sedentários, como a televisão e o videogame, só eram acessíveis aos mais ricos", continua ele.

Nessa época, os mais pobres se alimentavam majoritariamente de comida in natura (como verduras, legumes, frutas ou grãos) e costumavam ter ocupações braçais, que exigem mais energia e esforço físico.

"À medida que o tempo passa, essa carga se desloca dos indivíduos mais ricos para aqueles que são mais pobres", observa Claro.

"Hoje em dia, a alimentação que protege as pessoas da obesidade, ou seja, uma dieta baseada em alimentos in natura e minimamente processados, passou a custar mais caro que a comida ultraprocessada e não saudável."

"Para completar, todas as ocupações se tornaram sedentárias. Para você ter acesso a um lazer ativo nos dias atuais, é preciso morar num bairro bom, onde terá segurança e estrutura para andar numa calçada ou num parque. E o acesso a clubes e academias custa caro", complementa o epidemiologista.

 


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