Entidades acadêmicas chamaram de "tentativa de censura" o pedido da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) para que sejam anuladas três questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, aplicadas no último domingo (5):
▶️uma sobre a exploração do Cerrado e os prejuízos do agronegócio para os camponeses;
▶️outra acerca do desmatamento da Amazônia no cultivo da soja;
▶️e uma terceira a respeito da corrida espacial.
A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege), que representa mais de 70 programas acadêmicos, e a Associação dos Geógrafos Brasileiros referem-se especialmente às duas primeiras perguntas da lista acima, que trazem excertos de artigos científicos.
Por meio de nota de repúdio, as entidades defendem a credibilidade dos autores das pesquisas e dizem que "a insatisfação e a manifestação barulhenta de parte dos congressistas" traz "ranços do negacionismo científico" do governo Bolsonaro e demonstram um "comportamento rancoroso". Leia mais abaixo.
Contexto: A bancada do agro criticou a "ideologização do Enem" no governo Lula e a escolha de perguntas consideradas por deputados como enviesadas e contrárias às práticas capitalistas no campo. O presidente da FPA e deputado federal do PP, Pedro Lupión, pediu que o ministro da Educação, Camilo Santana, falasse a respeito "da falta de honestidade intelectual".
Postura do Inep: Em audiência na Comissão de Educação da Câmara, nesta quarta-feira (8), o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Manuel Palácios, afirmou que os candidatos tinham apenas de interpretar os textos e responder às questões, sem necessariamente concordar com o que os autores dos trechos escreveram.
"A resposta correta não depende de opinião, atitude, visão de mundo. Depende da capacidade de compreender um texto", disse.
Ao g1, o órgão reforçou que não interfere nas ações dos colaboradores selecionados para compor o Banco Nacional de Itens (de onde são selecionadas as perguntas).
As entidades científicas afirmam que:
️as pesquisas citadas nas perguntas do Enem foram produzidas a partir de "minuciosa investigação", com visitas a campo, coleta de depoimentos e mapeamento de áreas;
️esses estudos confirmam o que a comunidade científica internacional vem alertando: que "o avanço do agronegócio violenta e desterritorializa comunidades tradicionais que dominam o manejo sustentável da biodiversidade, especialmente nos biomas Cerrado e Amazônia";
️os autores dos textos são "doutores com vasta experiência acadêmica e científica, com larga publicação de livros e artigos, carreira consolidada e premiados por suas respectivas comunidade".
"Este comportamento rancoroso [de pedir a anulação das questões], sim, precisa ser compreendido como manifestação de uma ideologia extemporânea, classista e excludente, que sentencia o Brasil a ser uma nação socialmente injusta e com desigualdades econômicas (...)", aponta o texto.
"A nota de ameaça e censura publicada pela Frente Parlamentar da Agropecuária usa a noção de negacionismo científico contra os próprios cientistas e os resultados das suas pesquisas, em uma inversão absurda e tragicômica da realidade."