06/10/2023 às 09h48min - Atualizada em 06/10/2023 às 09h48min

'Há uma epidemia de solidão porque não nos atrevemos a passar tempo com pessoas sem fazer nada'

A escritora e professora Sheila Liming destaca que a atual crise de solidão começou muito antes da pandemia e a vincula ao desenvolvimento da tecnologia.

AB NOTICIA NEWS
G1
Foto: Getty Images/BBC

Em maio de 2023, o cirurgião-geral dos Estados Unidos divulgou um relatório sobre uma epidemia que cresceu silenciosamente no país durante décadas.

Vivek Murthy declarou que os americanos se sentem solitários, muito mais do que o habitual, e isso representa uma ameaça ao bem-estar físico e emocional, além de ser um enorme problema de saúde pública.

"O impacto na mortalidade de estar socialmente desconectado é semelhante ao de fumar 15 cigarros por dia", comparou o médico, que tem como função ser o principal porta-voz dos problemas de saúde do país e também dirigir um corpo de médicos do Exército norte-americano.

Vários estudos apoiam as conclusões de Murthy, embora os resultados ainda sofram variações.

O mesmo documento partilhado pelo médico aponta que, de 2003 a 2020, o isolamento social médio entre os cidadãos cresceu de 142 horas mensais para 166, o que representa um aumento de 24 horas na média.

 

Já a seguradora Cigna, num levantamento independente publicado em 2020, indica que três em cada cinco americanos "estão sozinhos".

O problema não diz respeito apenas aos EUA. Outras regiões do mundo, como a América Latina, também são afetadas pela solidão. Uma pesquisa realizada pela consultoria Ipsos em 2020, em que a empresa escolheu aleatoriamente cinco países latino-americanos nos quais entrevistou mais de 15 mil pessoas, revelou que, no Brasil, 36% dos entrevistados disseram se sentir sozinhos. No Peru, a taxa ficou em 32%.

Na sequência do ranking, aparecem Chile (30%), México (25%) e Argentina (25%).

A situação, que pode ser arrasadora, está associada a um "risco aumentado de doenças cardiovasculares, demência, acidente vascular cerebral (AVC), depressão, ansiedade e morte prematura", afirmou Murthy.

Embora os especialistas afirmem que a pandemia de covid-19 teve um enorme impacto no sentimento de solidão, devido ao isolamento social, o fenômeno começou muito antes e está relacionado ao desenvolvimento da tecnologia. Essa é a visão de Sheila Liming, professora do Champlain College, em Vermont, Estados Unidos
 

Liming é especialista em estudos culturais e, com base em suas próprias experiências com a solidão, escreveu o livro Hanging Out: The Radical Power of Killing Time ("Sair Para Se Divertir: O Poder Radical de Passar o Tempo", em tradução livre), ensaio no qual teoriza que uma das causas desta crise nos EUA é a "incapacidade de sair para se divertir ou de se encontrar com outras pessoas" — ou hanging out, em inglês.

Ao longo da entrevista, essa atitude será descrita pelo verbo "sair".

As pesquisas que fez sobre o tema, somada às experiências como professora há mais de 10 anos e uma carreira que exigiu viagens e um contato constante com dezenas de jovens, permitem que Liming afirme que o tema é muito mais complexo do que se acredita.

 

BBC - O que está por trás da crise de solidão nos EUA?

Sheila Liming - Ela é causada por múltiplos fatores e acontece em diferentes frentes. Um dos problemas desta crise tem a ver com o tempo.

As pessoas não têm tempo suficiente para se dedicar à interação social. E, por outro lado, também sentem que a interação social em si é uma perda de tempo, por isso não a priorizam. Muitos se sentem culpados por não fazer nada, por passar tempo com alguém ou simplesmente por estar na presença de outras pessoas.

Acho que outro grande fator é a falta de espaços e de acesso a espaços onde as pessoas possam se reunir, sair e existir na presença de outras pessoas.

Lugares onde elas podem estar sem sentir que precisam de um motivo específico para visitar ou que precisam gastar dinheiro para ir.

Tudo isso ficou muito óbvio durante a pandemia de covid-19, mas não creio que tenha desaparecido agora.
 

 


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