Dados obtidos pelo Ministério Público (MP-SP) por meio de um inquérito civil revelaram que a polícia de Campinas (SP) deixou de registrar 65% dos casos de intolerância religiosa ocorridos na metrópole nos últimos três anos. Frente à subnotificação, a promotoria expediu uma recomendação aos delegados sobre a tipificação dos crimes (saiba mais abaixo).
️ Como o MP-SP fez a apuração? Instaurado em janeiro de 2022, o inquérito civil coletou e cruzou informações das delegacias da cidade, de associações da sociedade civil e órgãos públicos como o Centro de Referência em Direitos Humanos na Prevenção e Combate ao Racismo e à Discriminação Religiosa, ligado à prefeitura.
“Solicitamos os casos de registros de intolerância religiosa, casos criminosos, recebidos por esses órgãos, que não são órgãos policiais, e depois requisitamos informações para os órgãos policiais para saber se havia uma equivalência dos registros, e a conclusão é de que existe uma clara subnotificação”, detalha o promotor de Justiça de Direitos Humanos, Daniel Zulian.
Por que há subnotificação? Ainda segundo o promotor, a falta de registros e apuração formal está ligada ao fato de que, em muitos casos, as ocorrências perdem a motivação de intolerância ao chegarem às autoridades.
“Eles viram, por exemplo, uma briga de vizinhos. Alguém que picha o muro de um centro de umbanda, a conotação que se dá é um conflito de vizinhança. Ou seja, não se registra devidamente como um ato de intolerância. E essa subnotificação gera um reforço da intolerância religiosa que existe hoje”, destaca Zulian.
? O que motivou o inquérito? À época da abertura, o MP-SP recebeu uma representação da Associação dos Religiosos de Matriz Africana de Campinas (ARMAC) solicitando “providências urgentes” em relação à preservação de locais de culto.
No documento, a associação relatou receber denúncias sobre “pedradas, depredação e violação do sagrado” em terreiros. Dentre os casos usados como exemplos, há registros de pichações recorrentes e até fezes de animais arremessadas em direção aos templos.
Ao g1, a diretora de Relações Institucionais da ARMAC, Edna Almeida Lourenço, ressaltou que os atos de intolerância estão diretamente relacionados ao racismo, “subestimando e tentando reduzir tudo que é de origem e tradição de matriz africana”.
️ E o que foi feito? Em agosto, o MP-SP expediu uma recomendação a todos os delegados e ao Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior 2 (Deinter-2) para ficarem atentos futuramente à possível existência de motivação baseada em intolerância religiosa nos registros das ocorrências.
“Se a autoridade policial não registra devidamente que aquela motivação foi religiosa, ou seja, que aquela conduta eventualmente de uma agressão física ou verbal partiu com uma motivação de intolerância, a própria classificação daquele crime vai ser diferente e vai se perder essa conotação mais grave da conduta”, diz o promotor Daniel Zulian.
Na recomendação, a promotoria pede às autoridades policiais que:
Além disso, em outubro de 2022, templos da metrópole puderam aderir à Central Integrada de Monitoramento de Campinas (CIMCamp), sistema de monitoramento da prefeitura de Campinas. Conforme consta no inquérito, a medida ajudou a inibir novos ataques.