07/09/2023 às 10h24min - Atualizada em 07/09/2023 às 10h24min

Laudo da polícia comprova que 12 árvores foram envenenadas na Tijuca

Mais de quatro meses depois, marcas de uma substância azulada ainda podem ser vistas nas bases das árvores atingidas e ainda de pé

AB Notícia News
O Globo
Leo Martins / Agência O Globo

O quarteirão arborizado, prestigiado por micos e pássaros, é um orgulho dos moradores locais — o que, neste caso, só fez aumentar a comoção geral. Dos dois lados da Rua Afonso Pena, perto da esquina com a Gonçalves Crespo, destoam do verde da paisagem seis árvores praticamente mortas, secas e sem folhas. Perto delas, ao longo de 300 metros, restos de raízes nos canteiros mostram que outros seis pés foram cortados, pois corriam risco de queda. Uma dúzia de exemplares de Licania tomentosa (nome científico do oiti, informa a Fundação Parques e Jardins) que enfeitava aquele canto da Tijuca, Zona Norte do Rio, foi envenenada.

O ataque aconteceu em abril, mas, passados mais de quatro meses, marcas de uma substância azulada ainda podem ser vistas nas bases das árvores atingidas e ainda de pé. O resultado de um exame feito por peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, da Polícia Civil, revela que o líquido misterioso é um herbicida usado para exterminar vegetação e ervas daninhas.

Muito presente no paisagismo urbano, o oiti leva 15 anos para atingir a idade adulta, pode chegar a 15 metros de altura e é coisa nossa: trata-se de um exemplar originário da Mata Atlântica. O laudo pericial das árvores atacadas e mortas na Tijuca, só agora divulgado em detalhes, foi feito por um perito com formação em biologia, a pedido da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA). A especializada investiga o caso. O exame de laboratório de amostras do líquido recolhidas nas cascas dos troncos revelou a presença de Picloram, herbicida utilizado para controle de plantas daninhas.

 

De acordo com o documento, a substância (provavelmente em alta concentração) foi despejada diretamente na base dos troncos, a uma distância de aproximadamente 50 centímetros do chão. O laudo diz ainda que não foram constatados furos ou cortes nos troncos, e que as manchas azuis apresentavam padrão de escorrimento. Apesar da presença de diversos prédios residenciais na vizinhança, nenhuma câmera de segurança flagrou a ação dos criminosos.

 

Beto Mesquita, engenheiro florestal e diretor da Bolsa Verde do Rio de Janeiro (BVRio), explica que o uso do produto encontrado nas árvores da Rua Afonso Pena é proibido na cidade do Rio e pode causar problemas como contaminação do solo e da água.

— No município do Rio, existe uma lei proibindo uso e aplicação de herbicida. Isso é um agravante para o que aconteceu. Todo e qualquer defensivo agrícola só pode ser vendido com receituário assinado por um engenheiro florestal ou agrônomo. É igual ao processo de comercialização de remédio controlado. Esta atitude é crime ambiental. Além de matar a árvore, o herbicida pode causar outros problemas, como contaminação de rios. O material pode escoar, por exemplo, para galerias fluviais. Sem falar na possibilidade da contaminação do solo e até de pequenos animais — diz o engenheiro.

 

Quando manchas azuis foram notadas nos troncos, ainda em abril, moradores acionaram a Secretaria municipal de Meio Ambiente e Clima, que, por sua vez, convocou a Polícia Civil. A notícia do extermínio das árvores por envenenamento deixou os vizinhos revoltados. Um cartaz chegou a ser colado em um tronco, com o aviso de que “o assassino das árvores iria se dar muito mal”. Meses depois, o autor do crime ambiental ainda é desconhecido.

— Estudei aqui no bairro por anos e passava sempre nesta esquina. Esta árvore que está seca era frondosa e verde. Espanta muito a situação em que se encontra. A gente fica indignado com o que aconteceu — conta Pedro Gonçalves, de 23 anos.

O aposentado Carlos Motta, 62 anos, chama atenção para outros problemas causados pelo “serial killer” botânico.

— Isso (envenenamento de árvores) começou há menos de um ano. Acaba com a sombra e ainda prejudica o ar — observa.

 

Pena de um ano de prisão

 

Wellington Vieira, delegado da DPMA, chefia as investigações. Dez pessoas já foram ouvidas no inquérito. Segundo Vieira, caso sejam identificados, os autores responderão por crime ambiental de supressão de vegetal. O delito prevê pena de um ano de prisão por cada árvore atacada.

— Os autores identificados responderão por crime ambiental. Já sabemos que o líquido foi aplicado com o objetivo de extinção das árvores. Qualquer informação que ajude na investigação pode ser passada pelo telefone do Disque-Denúncia — afirma o delegado.

Uma moradora local, que chegou a ser ouvida pela polícia e pede para não ser identificada, disse que a árvore em frente ao edifício onde mora foi uma das primeiras vítimas.

— Sem a árvore, se perde a beleza do lugar, e os apartamentos ficam sem sombra. A nossa aqui em frente morreu muito rápido — conta.

 

As árvores mortas na Afonso Pena foram removidas pela Comlurb. Procurada, a Secretaria municipal de Meio Ambiente e Clima disse não ter recebido outras reclamações de tentativas de envenenamento de árvores no Rio em 2023, mas o problema não é novo.

Em “A árvore”, texto de 1951, Rubem Braga já dividia com amigos e leitores sua aflição diante da agonia de um flamboyant: “Sabem que muitos anos serão precisos para formar outra com a mesma força e a mesma graça; e que melancólico, revoltante atraso de vida é perder uma árvore, ainda mais assim, assassinada lentamente, com a seiva corrompida pelo veneno, a morte se espalhando devagar por todos os seus ramos”, escreveu o cronista.


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