27/05/2018 às 22h03min - Atualizada em 27/05/2018 às 22h03min

Quem são os ativistas que tentam proibir a exportação de quase R$1 bi em gado vivo do Brasil

Venda de animais ao exterior enfrenta disputas judiciais e propostas de proibição na Câmara; Ministério Público Federal comparou embarcações a navios negreiros da escravidão.

BBC BRASIL
Cerca de 27 mil bois estavam no navio Nada, que viajou à Turquia (Foto: Reprodução)

uase todas as 70 cadeiras do auditório Teotônio Vilela estavam ocupadas, raridade em sessões na pequena sala da Assembleia Legislativa de São Paulo. Um deputado avisou: "As cenas a seguir são fortes, talvez alguém se assuste". No telão foi mostrado um vídeo que mostrava o interior de um navio com milhares de bois vivos. Os animais estavam amontoados, alguns com parte do corpo mergulhada em uma espessa camada de fezes, urina e lama. Uma voz feminina narrava as imagens: "Eles estão defecando um na cabeça do outro, é uma grande senzala."

O vídeo durou pouco mais de um minuto, mas várias pessoas choraram.

Era o último dia de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurava casos de maus-tratos de animais. Um dos temas foi a exportação de gado vivo, mercado de quase R$ 1 bilhão anuais e que nos últimos meses se tornou alvo de ativistas, parlamentares e do Ministério Público Federal.

Após a exibição do vídeo, o deputado estadual Feliciano Filho (PSC), presidente da CPI e militante dos direitos dos animais, fez um discurso que inflamou os ativistas na plateia. "Como pode o governo federal se render e agir para beneficiar uma única empresa?"

Ele se referia ao caso do navio Nada, embarcação panamenha que tirou do país 27 mil bois vivos de uma só vez, em fevereiro. Avaliada em R$ 64 milhões, a carga foi para a Turquia. Ela pertencia à Minerva Foods, uma das maiores empresas de alimentos do país. Na época, a enorme quantidade de animais em um único barco despertou atenção dos ativistas, que denunciaram maus-tratos e entraram na Justiça para impedir esse tipo de exportação.

A disputa sobre exportação de gado vivo continua na Justiça e em várias instâncias do Legislativo - ela é hoje considerada a maior batalha que o movimento de defesa dos direitos dos animais já enfrentou no país.

 

Quem são os animalistas?

 

Em fevereiro, quando soube das denúncias do navio Nada, a advogada Letícia Filpi, presidente da Associação Brasileira de Advogados Animalistas (Abra), entrou com uma ação judicial tentando impedir as exportações em São Paulo.

"A legislação permite que você mate um animal para comê-lo, mas a Constituição proíbe que você faça isso com crueldade. Outro fator é ambiental: esses navios não são feitos para o transporte de animais, são adaptados, inseguros. Há também a questão ética: a visão do pecuarista é que o animal é uma besta irracional que pode ser explorado até a morte. O animal é consciente e têm emoção, é sujeito de direito", diz.

Letícia tem 42 anos e milita na área desde que se formou em Direito. "Em 2012, quando virei vegana, decidi abraçar a causa de vez", conta. Ela atuou em várias "batalhas", como a proibição da caça de javalis e da vaquejada, além de resgate de animais em condição de maus-tratos. Em 2013, por exemplo, dezenas de beagles foram retirados por ativistas do Instituto Royal, laboratório paulista que realizava testes com cães.

"As exportações são a maior causa que já enfrentamos, porque o agronegócio é uma indústria muito estabelecida, a mais forte do país. Ela gera muito dinheiro e tem fortes alianças com o poder", afirma. "Antigamente, o movimento era visto como protetor só de cães e gatos, mas com a entrada dos veganos, mais organizados, começamos a entrar em questões maiores", explica.

A jornalista Silvana Andrade, presidente da Agência de Notícias dos Direitos dos Animais (Anda), critica o argumento do governo de que a proibição traria prejuízos econômicos ao país. "Esse argumento é falacioso, o mercado de gados vivos é uma pequena parcela da carne que o Brasil produz. O país não pode ter uma economia baseada na crueldade."

 
A jornalista e ativista Silvana Andrade começou a militar depois de ganhar um cachorro, em 2000 (Foto: Arquivo Pessoal)

A jornalista e ativista Silvana Andrade começou a militar depois de ganhar um cachorro, em 2000 (Foto: Arquivo Pessoal)

A jornalista e ativista Silvana Andrade começou a militar depois de ganhar um cachorro, em 2000 (Foto: Arquivo Pessoal)

A jornalista e ativista Silvana Andrade começou a militar depois de ganhar um cachorro, em 2000 (Foto: Arquivo Pessoal)

A jornalista e ativista Silvana Andrade começou a militar depois de ganhar um cachorro, em 2000 (Foto: Arquivo Pessoal)

Além de noticiar temas do ativismo, a Anda promove ações judiciais contra procedimentos que considera equivocados. Regina se lembra do dia em que começou a militar. "No dia 19 de fevereiro de 2000, meu aniversário, ganhei um cão de presente, a Nina. Me apaixonei tanto por ela que, no dia seguinte, parei de comer carne. Depois, virei vegana", conta.

 

Exportação x maus tratos

 

O Brasil começou a exportar gado vivo há 20 anos - o país é considerado o maior produtor de carne processada do mundo. Os bichos são transportados de caminhão das fazendas ao porto, colocados em grandes embarcações, viajam milhares de quilômetros pelo mar e, depois, são abatidos no país comprador. O trajeto do navio Nada até a Turquia, por exemplo, durou 15 dias.

A prática vem crescendo. Segundo a Associação Brasileira dos Exportadores de Animais Vivos (Abreav), em 2017 o Brasil vendeu 460 mil cabeças de gado em pé - nome técnico para a modalidade -, movimento de R$ 800 milhões e crescimento de 42% em relação a 2016. Para este ano, a entidade espera 30% de alta.

A maior parte dos animais vai para países muçulmanos por uma questão religiosa. A carne consumida pelos fiéis deve ser abatida pela técnica halal, seguindo preceitos islâmicos.

O animal deve ser morto por um muçulmano que tenha atingido a puberdade. Ele deve pronunciar o nome ou uma oração que cite Alá durante o processo, com a face do animal voltada para Meca.

Segundo a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, as vendas de gado vivo para cinco países árabes, como Iraque e Egito, cresceram 75% nos últimos dois anos - de R$ 273 milhões em 2015 para R$ 412 milhões no ano passado.

O caso do navio Nada começou a chamar a atenção depois que moradores de Santos reclamaram do mau cheiro deixado pelos excrementos que caíam dos caminhões. Em seguida, a ONG Fórum Nacional de Proteção e Defesa de Animal entrou na Justiça para impedir que o barco deixasse o país, alegando maus-tratos.

O processo chegou ao juiz federal Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara Civil de São Paulo, que nomeou a veterinária Magda Regina, funcionária da Prefeitura de Santos, para realizar um laudo sobre a embarcação.

No documento, ela escreveu que, no trajeto até o porto, os animais levavam choques elétricos no ânus para que ficassem deitados nos caminhões. Já dentro do navio, cada bicho ficava espremido em um espaço de um metro quadrado. Regina apontou que poderia haver mortes por pisoteamento e até por afogamento nas fezes.

 
Protestos de ativistas pelo direito dos animais (Foto: Leandro Machado/ BBC Brasil)

Protestos de ativistas pelo direito dos animais (Foto: Leandro Machado/ BBC Brasil)

Protestos de ativistas pelo direito dos animais (Foto: Leandro Machado/ BBC Brasil)

Protestos de ativistas pelo direito dos animais (Foto: Leandro Machado/ BBC Brasil)

Protestos de ativistas pelo direito dos animais (Foto: Leandro Machado/ BBC Brasil)

Também afirmou que após a lavagem da embarcação, os dejetos e excrementos eram jogados no mar "sem qualquer tratamento" - cada boi produz cerca de 30 quilos de fezes por dia.

Segundo o laudo, o navio tinha três veterinários para cuidar dos 27 mil animais - um para cada 9 mil. Magda também apontou: "Em setor específico do navio, vulgarmente denominado Graxaria, foi constatada a presença de um equipamento destinado a triturar os animais mortos, cujo resultado do trituramento é também lançado ao mar."


Link
Notícias Relacionadas »
Ab Noticias  News Publicidade 1200x90
Mande sua denuncia, vídeo, foto
Atendimento
Mande sua denuncia, vídeo, foto, pra registrar sua denuncia