08/08/2023 às 13h29min - Atualizada em 08/08/2023 às 13h29min

'Me fizeram sentir vergonha por ser gay': o escândalo por prisão de 33 homens em sauna na Venezuela

Polícia que atuou no caso apresentou como 'provas' preservativos, lubrificantes e aparelhos de telefonia celular.

AB Notícia News
g1
Arquivo pessoal

Enquanto tomava uma bebida no salão do Club Avalon, Iván Valera Benitez ouviu um alerta: "Comando da Polícia Nacional Bolivariana. Mãos para cima, fique parado!"

O venezuelano de 30 anos esteve no domingo, dia 23 de julho, no Club Avalon, uma sauna gay localizada na cidade de Valencia, no norte da Venezuela.

Iván pensou que era algum tipo de brincadeira.

Aquele era um clube privado com saunas e salas de massagem, um restaurante e uma sala para fumantes. A entrada era cobrada, e o catálogo de serviços podia ser consultado nas redes sociais.

Ele se sentia seguro no Club Avalon. Lá, eles não o provocavam sobre suas preferências sexuais ou o chamavam de "ela", como em ambientes com desconhecidos onde faziam piadas sobre ele.

 

Os policiais uniformizados pediram aos funcionários e clientes que os acompanhassem à sede da polícia "como testemunhas". Todos seguiram a instrução, embora não entendessem do que eram testemunhas.

Iván e outros 32 homens ficaram detidos por três dias e foram apresentados ao Ministério Público venezuelano sem entender o motivo.

A polícia vazou imagens nas quais os detidos são vistos em pé ao lado de uma mesa que mostrava como "provas" os seus documentos de identificação, celulares, preservativos e lubrificantes.

A imprensa local informou que se tratava de uma "orgia clandestina", na qual teria sido encontrado "material pornográfico". No entanto, os advogados de defesa esclareceram que não há nenhuma evidência disso nos registros policiais.

A denúncia pelos crimes de atentado ao pudor, formação de quadrilha e poluição sonora causou indignação na comunidade LGBT+ venezuelana, que denuncia a criminalização de seus integrantes pelas autoridades.

Os slogans "Libertem os 33" e "Justiça para os 33" viralizaram nas redes sociais. Ativistas e familiares dos detidos protestaram na Justiça, no Ministério Público e na sede da polícia ligada à operação.

O procurador-geral venezuelano, Tarek William Saab, disse que o Ministério Público vai pedir o arquivamento do caso e uma investigação dos policiais que participaram da operação, depois que as investigações mostraram que o clube não reunia as condições de saúde necessárias para ser aberto ao público.

 

A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, tentou contato telefônico e foi até a sede da Polícia Nacional Bolivariana em Valencia, onde estavam os detidos, para solicitar um posicionamento sobre o caso, mas não obteve resposta.

Neste depoimento, contado em primeira pessoa, Iván reconstrói o que viveu com o grupo durante a detenção.

 

Uma abordagem de rotina

 

Eles nunca nos diziam o que estava acontecendo.

A polícia dizia que era uma verificação de rotina e pedia as nossas identidades para verificar se tínhamos antecedentes criminais ou se éramos procurados (pelos tribunais).

Depois nos disseram que a revista seria no Comando da Polícia Nacional Bolivariana e que deveríamos ir como testemunhas. Nós fomos em nossos próprios carros de boa fé.

Chegamos à sede por volta das 18h. É aí que tudo de ruim começa.

Ao revisarem as identidades, percebem que ninguém é requisitado ou possui ficha criminal. O policial diz: “Eles estão limpos. Não há nada aqui".

Mas eles nos levam ao gabinete do chefe do comando e nos revistam, pegam nossos telefones e ficamos incomunicáveis.

 

Fiquei preocupado, mas pensei: "Esse procedimento está mal feito em todos os pontos de vista. Isso não vai a lugar nenhum."
 

Quando pegaram nossos telefones, cada um foi obrigado a fornecer as senhas.

Um policial pegava o telefone de alguém, desbloqueava e começava a revisar suas fotos, seus vídeos, sua vida privada. E ele dizia: "É você? É isso que você faz?".

Isso foi feito com várias pessoas. Não aconteceu comigo porque não levei o celular naquele dia, pois estava descarregado.

Quando levaram nossos pertences, um policial passou com uma lista e nos disse: "Vocês vão me dizer seu nome e vão me dar todo o dinheiro que tiverem para a gente anotar, para não perder."

Eles disseram que era a única maneira de garantir que o dinheiro não sumiria. Até aquele momento, sustentavam que não estávamos detidos.

 

Hoje, não sabemos onde está (o dinheiro). Ele não está no Ministério Público. Esse dinheiro deveria constar no registro policial, mas sumiu.

Eles também pediram para entregarmos as camisinhas porque aquilo era uma prova.

Isso ocorreu na sede do Comando da Polícia Nacional Bolivariana, em Los Guayos.

Depois disso, eles nos mandaram descer para tirar uma foto. É aí que começa a preocupação mais forte porque uma imagem é feita para registrar alguma coisa. Já entendemos que estávamos sendo fichados.

Tiraram uma foto nossa na frente da mesa com as "provas", que na época eram camisinhas, lubrificantes, celulares, RGs e uma garrafinha de popper [droga inalável], que nunca foi usada, que nunca entendemos de onde saiu.


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