02/12/2019 às 15h54min - Atualizada em 02/12/2019 às 16h03min

Tradição e contemporaneidade na nata da gastronomia pernambucana

Com 137 anos de existência, icônico restaurante Leite encanta todas as gerações com um serviço atemporal

DINO
https://www.facebook.com/pages/Restaurante-Leite/193943217308505?ref=br_rs
O restaurante Leite foi fundado em 1882


Modernizar o passado é uma evolução." Os versos imortalizados na música do saudoso Chico Science resumem bem o legado de uma ideia construída na capital pernambucana, ainda no século 19, e que atravessa o tempo levando para o público local e visitante o melhor do bom gosto e da sofisticação gastronômica da cidade: o Leite. Em pleno século 21, o restaurante mais antigo em atividade no Brasil continua sendo a principal referência de uma culinária eclética, cosmopolita e fortalecida nos ímpares sabores regionais. Patrimônio artístico e cultural do Recife, a história do Leite se confunde com a da própria cidade.

O Recife é uma cidade com 482 anos em que a história pulsa continuamente e não raro passa despercebida às pessoas a importância de tudo aquilo que as rodeia. Estar na capital pernambucana e não experimentar o Arroz de Bacalhau, a Cartola Pernambucana ou a Rabanada ao Porto no almoço ao som de piano de cauda do Leite é como ir ao Rio de Janeiro e não visitar o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor; estar Paris sem conhecer o Museu do Louvre e a Torre Eiffel; passear por Nova York sem conferir a Estátua da Liberdade e o Empire State Building. Você pode até deixar de ir a esses símbolos que se misturam à trajetória de suas respectivas cidades, mas vai passar a vida inteira lembrando-se dessa lacuna.

"É do Recife o restaurante, dentre os melhores, mais antigo do Brasil, com seus sabores exóticos para europeus: o Leite." Assim escreveu o brilhante polímata e escritor recifense Gilberto Freyre (1900-1987), oportunamente epigrafado no livro O Leite ao Sabor do Tempo: A História de um Restaurante (2002), da jornalista Goretti Soares. Quando o intelectual mais premiado do País teceu esse comentário, porém, o Leite já desfrutava de uma trajetória consolidada de muitas décadas.

A história do Leite data de fins do século 19, dos últimos anos do Segundo Império, época de fervor abolicionista e anseios republicanos. Foi nesse cenário que o português Armando Manoel Leite inaugurou o Restaurante Manoel Leite, em 1882, às margens do Rio Capibaribe, na Rua do Sol, próximo à Ponte da Boa Vista, a famosa "ponte de ferro" em uma cidade ainda iluminada por lampiões a gás e transportada por bondes, charretes e canoas.

Membro da sociedade pernambucana e sócio do Clube Internacional do Recife, Manoel logo se tornou muito prestigiado pelos amigos e seu restaurante se transformou no after mais badalado do Centro, ponto de encontro das personalidades, pós festas no CIR. Não demorou muito para o espaço se tornar pequeno levando o proprietário a transferi-lo, em 1890, para os próximos números 147 e 153 (depois também o 159) da Praça da Concórdia (também conhecida como Praça Major Codeceira), atual Praça Joaquim Nabuco.

Desde então o Leite, mesmo passando por três grandes reformas e três controles administrativos, manteve a tradição de ser a referência do Recife na área gastronômica, como ponto turístico e local predileto de encontro de personalidades da sociedade pernambucana.

Em suas incursões pelo Nordeste, em 1928-29, compiladas no livro O Turista Aprendiz (1976), o escritor Mário de Andrade (um dos expoentes da Semana de Arte Moderna de 1922), cita mais de uma vez o restaurante. "Almoço no Leite, essa fatalidade recifense, como o Butatã paulista. (...) Imaginem onde jantamos? No Leite", conta em um trecho da publicação. "13 [de fevereiro]. Por isso a monotonia formidável de mal-estar do dia de hoje. Dia que não existiu pra mim. Em todo caso consegui almoço delicioso de lagosta no Leite. Durmo cedo", relata. "19 [de fevereiro]. (...) Almoço no Leite com José Pinto e vou a Olinda passear."

Em seu Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife (1934), Gilberto Freyre também faz reverência especial à casa: "O restaurante Leite, que é uma tradição recifense, foi no que se celebrizou nos seus grandes dias: em peixe pernambucano. Continua a ser sua especialidade, agora que é para o Recife o que os velhos restaurantes franceses são para New Orleans. Também se especializa em sobremesas - doces das boas frutas da terra. O turista prove no Recife doce de goiaba ou de caju em calda - aqui como em todo o Brasil comido com queijo. É a maneira ortodoxa de se comer qualquer doce em Pernambuco".

Testemunha da história da cidade, o Leite foi palco de momentos marcantes de glamour e requinte. Em 1948, o jornalista paraibano Francisco Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, magnata da comunicação e fundador dos Diarios Associados, participou de recepção à parisiense Edmée Frisch de Fels, duquesa de La Rochefoucauld. O ator Paulo Autran foi ao Leite pela primeira vez em 1952 e passou a frequentar a casa sempre que veio ao Recife. Registros históricos também dão conta que, em 1960, o casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir almoçou no Leite.

A história de sucesso de um restaurante tão longevo, que atravessa mais de um século, modernizando-se sem abrir mão da tradição e da qualidade de seus serviços, não tem segredo. Assim como um amante apaixonado, que se diz conquistado pela boca, o que faz sempre um cliente se interessar e quer retornar à casa é a excelência da comida.

Ao longo das décadas, diversas receitas se tornaram clássicas e o menu foi sendo aperfeiçoado. Alguns pratos se tornaram clássicos, como o famoso Bacalhau, atualmente denominado Amadeu Dias, que traz um lombo do peixe do Porto Imperial grelhado no azeite com cebola, alho, azeitonas, pimentão e batata cozida. Ou a Garoupa, hoje batizada à Vavá Cardoso, que conta com um filé do peixe cozido ao molho de champanhe e gratinado com purê de batata. Ou ainda o Arroz de Bacalhau, com lascas do peixe cozidas no arroz refogado com tomate e cebola.

Além dos pratos principais, destacam-se as sobremesas Cartola Pernambucana, receita que combina banana madura, queijo de manteiga, canela e açúcar e é considerada, há 10 anos, Patrimônio Cultural e Imaterial de Pernambuco (Lei nº 13.751 de 24/4/2009); e Rabanada ao Porto, com fatias de pão empanadas com açúcar e canela ao vinho do Porto.



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