O restabelecimento da cadeia de suprimentos da indústria de tecnologia, abalada pela pandemia, e a falta de mão de obra qualificada estão entre os desafios de Claudia Muchaluat desde setembro do ano passado, quando assumiu o comando no Brasil da Intel, uma das maiores fabricantes de processadores do mundo.
Ao GLOBO diz que a gigante americana dialoga com o governo brasileiro sobre seu plano de atrair fábricas de semicondutores, insumo atualmente essencial não só para computadores e smartphones, mas também para uma série de produtos, dos eletrodomésticos aos automóveis.
“Atuamos muito próximo do governo para gerar um ambiente favorável para a discussão de investimentos no setor”, diz a segunda mulher no cargo mais importante da multinacional no país. Ela sucedeu Gisselle Ruiz Lanza, promovida a diretora geral para a América Latina.
A empresa, diz Claudia, pratica a equidade salarial entre homens e mulheres, mas ela admite que este ainda é um desafio da maioria das empresas.
Como ter uma cadeia de fornecimento fortalecida após a falta de semicondutores durante a pandemia?
Aprendemos na pandemia que precisamos ter uma cadeia de suprimento de processadores e de semicondutores mais resiliente, segura e menos suscetível à dependência de continente ou país. Processadores estão em todos os momentos da vida, no micro-ondas, geladeira, TV, carro, celular. Um pilar é prover serviços de fabricação para terceiros.
A Qualcomm, que já foi competidora da Intel, fez parceria para, assim que nossas (novas) fábricas ficarem prontas, ter seus processadores produzidos pela Intel. O ano de 2023 é extremamente desafiador para a indústria de tecnologia. São investimentos massivos com alto nível de tecnologia e com ciclo longo de retorno.
E tem algum país que esteja liderando esse movimento?
Nas fábricas próprias, temos investimentos nos EUA e na União Europeia. Na América Latina, temos investimentos e expansões nas operações fabris da Costa Rica e no centro de qualidade em Guadalajara, no México.
O presidente Lula tem falando do plano para estimular uma indústria de semicondutores no Brasil. É possível olhar o país como um polo de alta tecnologia?
O Brasil se posiciona de maneira sempre protagonista no cenário mundial. Não temos fábrica de processador no Brasil, mas as placas de Wi-Fi são fabricadas aqui através do nosso ecossistema de parceiros.
Faz sentido pensar em fábrica de semicondutores no Brasil?
Acho que, como Intel, a gente está sempre aberto a avaliar oportunidades que façam sentido na estratégia global de cadeia de suprimentos. Já fabricamos partes do processo (aqui) e atuamos muito próximos do governo para gerar um ambiente favorável para a discussão de investimentos no setor. A gente colabora com o grupo de trabalho de semicondutores.
Hoje apoiamos três centros de pesquisa em inteligência artificial com a USP (Universidade de São Paulo), o Senai Cimatec na Bahia e estamos em discussão com a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
E dá tempo de o Brasil entrar nesse mercado ou já estamos atrasados nessa corrida?
Sou otimista. Acho que o passado não influencia nossas possibilidades do futuro. E, de novo, estamos sempre abertos e participando dos fóruns que estão disponíveis aqui para discutir, fomentar e trocar experiências. A gente pensa só em semicondutores, mas o aporte tecnológico é algo amplo, com hardware, software e plataformas de colaboração.
E como estão as conversas nesse grupo de trabalho com o novo governo?
A gente sempre trabalhou muito próximo no sentido de discutir e compartilhar. E continuamos com essa postura de colaboração e abrindo as agendas com os novos líderes que entraram há pouco tempo.
O Brasil é um mercado importante para a Intel?
O Brasil está entre os dez maiores mercados da Intel no mundo. O cenário é desafiador para todas as economias em 2023. A pandemia elevou muito a demanda por processador e por todo o ciclo de transformação digital. A guerra na Ucrânia, a inflação, a taxa de juros... Mas há oportunidades.
A gente se reestruturou no Brasil para ter mais agilidade na criação de valor para cobrir os nossos clientes. Revisitamos a estrutura do Brasil e da América Latina e regionalizamos algumas coisas. Ajudamos empresas brasileiras na expansão regional dentro da América Latina.
Hoje só se fala de inteligência artificial, tema impulsionado pelo popularidade do ChapGPT. Mas essa é a única tendência na área de tecnologia?
A inteligência artificial vem para potencializar a capacidade humana. Não é um “ou” e sim um “e”. É praticamente impossível que um médico consiga ler uma quantidade enorme de estudos para estar superatualizado. E você traz a curadoria adicional da inteligência artificial. Além disso, temos um processador que identifica aromas e cheiros. Imagina o leque de possibilidades que se abrem. Parece ‘Os Jetsons’, né?
Há muitas discussões sobre a ética na inteligência artificial. Quais devem ser os cuidados?
Temos uma governança da inteligência artificial para garantir que pelo menos tudo que passe pela empresa não tenha nenhum tipo de viés na curadoria. A inteligência artificial é um robô, e, se você ensina errado, ele aprende errado.
Esse novo mundo pode afetar a geração de empregos?
O maior desafio para implementar modelos disruptivos é a disponibilidade de mão de obra qualificada. Está faltando gente para ocupar posições em tecnologias exponenciais.
Precisamos de mão de obra em inteligência artificial, blockchain e IoT (Internet das Coisas), assim como o cientista de dados para entender a melhor forma de combinar isso e entregar valor na ponta para o cliente. O mercado brasileiro hoje tem um gap de 100 mil pessoas ao ano (nessa área). Em cinco, será meio milhão de pessoas.
E como estimular a mão de obra em tecnologia sem esquecer a inclusão social?
Temos feito progressos na empresa, mas precisamos acelerar essa transformação. A Intel já implementou em todos os países onde opera a equidade salarial entre gêneros. Parece algo básico, mas infelizmente ainda não é a realidade da maioria de empresas e países.
A Intel também quer ter representação plena da população dos países onde opera. Começamos nos EUA, e lá já alcançamos. Nos outros países, o prazo é até 2030. Temos uma meta de promover o desenvolvimento de grupos sub-representados em posições de liderança.
Contribuímos com instituições como Cloud Girls e Programaria no processo de capacitação e mentorias para combateras crenças limitantes e incentivar mulheres na tecnologia. Temos que colocar mais mulheres no mercado de tecnologia.