Reprodução (Twitter) Neste primeiro texto da minha coluna, cabe me apresentar e dizer que sou jornalista, por profissão, por amor e por justiça. Esse último elemento pode parecer incomum, mas, o que me levou ao jornalismo foi mesmo a necessidade de refletir, foi crescer e me inconformar cada dia mais com as desigualdades no país em que vivo. O jornalismo me abria portas para debater isso, como, de vez em quando, abre. Um exemplo é este espaço novo, nesta coluna. Por isso, ressalto que a maior parte dos tempos que farei aqui terá essa missão de abrir os olhos para algumas realidades sociais que realmente muitos não enxergam, e outros fingem não ver.
Os dados sobre o racismo no Brasil Para começar escolhi o tema racismo. Não só porque acabamos de viver o Dia da Consciência Negra em alguns lugares do país, mas porque esse é um tema delicado que precisa ser discutido. Os negros e pardos são mais de 50% da nossa população brasileira. Muitos acreditam que o racismo acabou no momento em que a escravidão se encerrou no Brasil, mas não. Os rastros do preconceito vivido pela população negra estão nítidos na sociedade até hoje.
Recentemente o Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA), divulgou o Atlas da Violência 2019. Nele, além de dados alarmantes sobre a desigualdade social, um dado em especial chamou a atenção, o de que 75,5% das vítimas de homicídio no país são negras. Ou seja, muito mais da metade daqueles que são mortos no Brasil são negros. E qual seria a justificativa para esse número? Os negros estão na periferia onde a violência é maior, estão expostos diariamente a bairros perigosos, a situações de saúde precária e por quê? Porque o racismo velado ainda existe no país, a população mais pobre ainda é a negra ou parda.
Para provar isso, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, em 2018, mostrou que enquanto os trabalhadores brancos têm uma média salarial de R$ 2.897, os negros e partos têm ganham cerca de R$ 1.636, quase mil reais a menos. Sem contar no mundo artístico. Dados da pesquisa de Diversidade de gênero e raça, divulgada em 2016 pela Ancine (Agência Nacional de Cinema), mostrou que dos 75,3% dos filmes de longas metragens nacionais, os negros eram no máximo 20% do elenco. E na grande maioria das vezes esses papéis não são principais.
Um racismo velado Mas, para amenizar tais dados muitos fingem não ver que eles existem. Recentemente uma exposição com uma charge sobre o genocídio (morte em massa) da população negra foi exposta nos corredores da Câmara dos Deputados, em Brasília. Na imagem, aparecia um homem negro algemado no chão e um policial com uma arma na mão, como quem tivera acabado de atirar. A charge era forte e tinha o intuito de levar a reflexão. Mas o deputado do PSL-SP, Coronel Tadeu, passou pelo local na véspera do dia da Consciência Negra, e arrancou o cartaz o considerando ofensivo e um "crime contra as instituições". Uma atitude que foi considerada por muitos como preconceituosa.
Outro caso que impacta bastante é o recente, e absurdo, racismo no futebol, que acontece no mundo todo. Em 2014, a jovem Patrícia Moreira ficou conhecida ao aparecer nas câmeras do estádio, durante a partida do Grêmio x Santos, chamando o jogador santista Aranha de “macaco”. A história repercutiu e Patrícia prestou esclarecimentos à polícia. Recentemente os jogador brasileiro Dentinho, ao jogar na partida entre Shakhtar Donetsk e Dínamo de Kiev, clássico da Ucrânia, ele ouviu sons de macaco direcionados a ele vindos da multidão que acompanhava a partida. “Eu estava fazendo uma das coisas que mais amo que é jogar futebol, e acabou sendo o pior dia da minha vida. Durante o jogo, por três vezes, a torcida adversária fez sons que lembravam macacos, sendo duas vezes direcionadas a mim. Essas cenas não saem da minha cabeça”, desabafou o jogador.
Até mesmo o reality show, exibido pela Rede Record, “A Fazenda”, expôs neste ano um caso de racismo. Durante o programa a participante Sabrina Paiva foi surpreendida por um funcionário da emissora que lhe ordenou “senta ai logo, macaca”, durante o programa. A rede Record demitiu o funcionário. Sem contar em 2017, quando o renomado jornalista William Wack foi afastado da Rede Globo, que trabalhava há anos. A razão? Wack teria dito, em um vídeo fora do ar, que as buzinas que atrapalhavam sua gravação era “coisa de preto”.
Uma sociedade que precisa mudar E quantas atitudes podem ser mudadas para que também mudemos essa realidade? A política de cotas raciais nas universidades públicas no Brasil, tão duramente criticadas, ganharam relevância recentemente. É que, pela primeira vez, um estudo o IBGE mostrou que os negros e pardos já são maioria nas Universidades públicas (50,3%). Um grande passo para desigualdade social e racial, que ainda tem que crescer. Afinal, os negros ainda não são maioria nos cursos considerados de elite, como Medicina, Odontologia, Direito e Engenharia.
Além de cobrar por políticas públicas, combater o racismo começa com nossas próprias atitudes. Quantas vezes não vemos expressões preconceituosas como “Lista Negra”, “Coisa de preto”, “Tinha que ser preto” serem ditas sem qualquer pudor? Em quantos momentos vemos os negros de sucesso serem dura e desnecessariamente criticados? Para exemplificar, nada melhor do que as redes sociais. Recentemente vi uma postagem do cantor de sucesso Nego do Borel, com sua namorada, loira, Duda Reis. Ao invés de ter mensagens de apoio ao casal, como sempre ocorre com casais famosos as mensagens era de que ela não estaria com o cantor “se ele não tivesse sucesso ou fosse pobre, porque ele era feio”. As ofensas foram tantas, que o cantor chegou a postar uma foto com a namorada e pedir na legenda “por favor, sem comentários racistas”.
Até quando teremos que aceitar o racismo que é histórico? A mudança começa, sim, por aplicação de políticas públicas e de inclusão racial, mas também começa por nós, por todos nós que devemos nos policiar nas atitudes que devemos enxergar a igualdade perante a tudo. Para encerrar, deixo uma frase que o maravilhoso cantor Gilberto Gil escreveu neste Dia da Consciência Negra, em suas redes sociais: “Se eu não fosse negro, não faço a menor ideia de que artista eu seria. Ser negro, culturalmente negro, me dá uma relação com a música, com o ritmo, com o mundo religioso, com tudo que eu não teria não sendo negro. Seria outro, outra pessoa”.