07/07/2019 às 18h19min - Atualizada em 07/07/2019 às 18h19min

'Há tendência no governo de se buscar rupturas', diz Bebianno

Ex-ministro da Secretaria-Geral critica falas de Bolsonaro que deixam instituições em segundo plano e ‘flertam’ com poder absoluto e tirano

O Globo Janaína Figueiredo
Ab Noticia News
Gustavo Bebianno é ex-ministro de Jair Bolsonaro Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

RIO - Na mesma casa que já foi um dos quartéis-generais da campanha do presidente Jair Bolsonaro, o ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno fala com preocupação sobre a situação do homem que durante mais de dois anos foi seu projeto de vida. No endereço do empresário Paulo Marinho — outro dissidente do bolsonarismo e hoje presidente estadual do PSDB no Rio na gestão liderada pelo governador de São Paulo, João Doria — Bebianno mantém a calma, mas é enfático. Sobre o futuro, assegurou que sua intenção é fazer um alerta para que o governo se recomponha, sem confirmar se pretende ter um papel na política.

Como o senhor, que durante a campanha promoveu uma aproximação entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o então candidato Jair Bolsonaro, está vendo o ambiente de tensão entre Executivo e Legislativo?

O presidente conhece melhor do que nós todos as engrenagens da Câmara. Ele tem muito mais tempo de Câmara do que a vida dele no Exército. Ele viveu 28 anos dentro da Câmara e, com essa experiência tão larga, ele tem uma visão das engrenagens da Câmara, que representa o povo brasileiro, suas virtudes e seus defeitos. Acho engraçado quando se ataca o Congresso como se as pessoas que o compõem tivessem vindo de Marte. São todos brasileiros, eleitos pelo povo brasileiro. Ao se diagnosticar um problema num órgão, num estômago, vai fazer o que, tirar o estômago?

O estômago seria o Congresso?

Talvez, estou usando uma figura de linguagem. Você não tira o estômago, você trata o estômago. Todo processo pela via democrática é lento, exige trabalho, perseverança, conversa, acordos. O que me preocupa hoje é perceber uma tendência do governo federal de se buscar rupturas institucionais. Parecem que existem flertes hoje com futuras rupturas institucionais. O presidente fez uma visita ao Comando militar do Sudeste onde ele diz que deve lealdade ao povo e somente ao povo, não às instituições. Disse que quem manda é o povo, mas o povo se organiza por meio das instituições. Se as instituições forem enfraquecidas, suprimidas, vamos viver o quê, uma anarquia? Sem as instituições sobram dois caminhos, a anarquia ou um poder absoluto. Sabemos que todo e qualquer caminho absoluto tende a descambar num regime tirano. Hoje me preocupa um pouco essa colocação de salvador da pátria.
 

Como foi a relação de Bolsonaro com Maia durante a campanha?

O presidente Rodrigo Maia, desde a fase do primeiro turno, já se mostrava simpático ao projeto econômico apresentado pelo ministro Paulo Guedes. Para ele foi um alento. Conversamos e ele sempre se mostrou disposto a trabalhar em forma empenhada pela aprovação das reformas. As conversas foram comigo e com o ministro Guedes. O que o presidente Rodrigo Maia mostrava era uma certa preocupação exatamente com o que está acontecendo hoje, apanhar gratuitamente e ser agredido gratuitamente por uma ala mais radical e ideológica.

O senhor está se referindo ao olavismo e aos filhos do presidente?

Sim, (Maia) já demonstrava preocupação com isso e vontade muito sincera de unir o Congresso ao governo federal no sentido de aprovar as reformas necessárias para o Brasil. O presidente Rodrigo Maia conhece a política, o Brasil, e sabia que era o momento para a mudança. A reforma da Previdência é uma pauta comum a todos, tirando a esquerda. Havia boa vontade, compromisso de caminhar de mãos dadas. O que houve (depois) foi uma certa perplexidade por certas agressões gratuitas.

O senhor está em contato com Maia?

Falamos raramente… esporadicamente.

O presidente da Câmara percebeu a oportunidade, mas também os riscos…

Ele foi percebendo a vontade popular por uma mudança, por algo novo. Mas já mostrava certa preocupação com posições radicais, mostrava um certo receio. Ficou muito perplexo quando começaram as tentativas de jogar a população contra o Congresso. Isso é um equívoco.
 

O senhor vê, por parte do Planalto, uma intenção de jogar a população contra o Congresso?

O que eu vejo pelos jornais, pela imprensa, é no mínimo uma falta de habilidade muito grande. Todos nós sabemos que a aprovação de qualquer medida relevante num Congresso com 500 e tantos deputados é um caminho difícil. Não será com agressões que se chegará a algum lugar.

A tensão atual poderia impedir a aprovação das reformas?

Não acredito que a reforma da Previdência não será aprovada. Mas poderia já ter sido aprovada, com muito menos desgaste. Por que tanto desgaste, se o caminho já estava pavimentado? O governo errou com certas indicações, como na liderança da Câmara. A escalação do time foi muito ruim por parte do Planalto e querer botar a culpa no Congresso não é razoável.

O senhor vê possibilidade de ruptura entre o presidente e Rodrigo Maia?

Acho que já estão rompidos. Já há um grau de desconfiança muito grande que é muito ruim, na Câmara baixa como na alta não se confia mais no presidente.

E isso, na sua avaliação, é consequência dos erros do governo?

Da inabilidade política do governo. Há certas posturas que causam insegurança, indas e vindas, frituras públicas desnecessárias. Ataques gratuitos por parte de familiares do presidente, sem que o presidente tome a frente e dê um basta.

O último conflito foi entre o general Heleno e o vereador Carlos Bolsonaro…

O Carlos é uma pessoa que não tem equilíbrio emocional, tem uma visão paranoica da vida e enxerga em tudo teorias da conspiração.

O ex-ministro diz que Carlos Bolsonaro

O ex-ministro diz que Carlos Bolsonaro


O ex-ministro diz que Carlos Bolsonaro "é uma pessoa que não tem equilíbrio emocional" Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

 

Como era, na campanha, a relação entre os militares e o que o senhor chama de a ala mais radical do bolsonarismo?

Essa ala nunca participou muito na campanha, o próprio Carlos nunca veio aqui (na casa de Paulo Marinho). A preocupação dos militares era sobre a gestão, sobre como gerir os problemas que o Brasil precisava enfrentar. Ninguém esperava que o governo fosse perder tanto tempo e energia com assuntos irrelevantes como esses levantados pelo Olavo de Carvalho.
 

E como o senhor vê hoje a relação dos militares com o governo?

O cristal rachou, duvido que haja confiança por parte da tropa. Os militares olham e se perguntam quem será o próximo. Essa agressão gratuita ao general Heleno é mais uma demonstração disso. O que surpreende é que as crises se sucedem com um intervalo muito curto. O afastamento do general Santos Cruz se viu com grande perplexidade.

Essa saída teve impacto entre os militares?

Tenho certeza absoluta.

O senhor conversou com militares?

Tenho certeza… converso com várias pessoas e o sentimento de indignação é desconfiança é grande. Ninguém entende como o presidente permite esses processos de fritura em público com profissionais, pessoas sérias.

Pela sua convivência com Bolsonaro, como o senhor analisa a participação do presidente nessas crises?

Ele sempre demonstrou muita preocupação com esse tipo de crise. Sempre disse que se um ministro pisasse no pé de um deputado podia abrir uma crise. Me causa estranheza perceber que não se tenha esse tipo de cuidado. O governo mostrou um grande desprezo pelo seu próprio partido.

Já tem gente falando em Doria 2022, o senhor aceitou alguma proposta?

Não. Faltam três anos e meio, e agora temos de torcer para que o governo Bolsonaro dê certo. Fui afastado do governo, me ofereceram outras funções, embaixadas, mas saí do jeito que entrei. Hoje, não estou engajado em projeto político algum, tenho olhado para o Rio de Janeiro e vejo com preocupação a falta de rumo nas esferas municipal e estadual.
 

O senhor poderia ser candidato a prefeito?

Não sei, há convites, mas nada decidido. Não é hora de falar em candidaturas, é hora de torcer. Espero que o presidente aprenda de seus erros. Acho que o governo é legítimo e vai concluir seu mandato. As relações precisam ser recompostas urgentemente, o que eu acho muito temerário são os ataques sucessivos às instituições brasileiras. Quando se diz, de forma até populista, que o povo é que manda. O tempo é curto, o presidente precisa acordar e entender que ninguém quer separá-lo dos filhos. Mas acredito que vai cumprir seu mandato, a não ser que ele próprio crie uma situação de ruptura.

Outra das tensões no governo envolve o ministro Sergio Moro e as denúncias sobre sua suposta ingerência na atuação da operação Lava-jato. Como o senhor vê essa situação?

Tenho grande respeito pelo ministro Moro, acho que ele tem um papel muito importante. Não tive acesso à documentação. Como advogado, posso dizer de forma conceitual e genérica, não falo especificamente do caso, o juiz deve se manter sempre equidistante entre as partes. O Ministério Público é parte num processo criminal, um juiz orientar uma das partes compromete a distância necessária para um julgamento imparcial. Acho que o presidente hoje tem dois alicerces no governo: os ministros Guedes e Moro. Se faltarem, o governo sofrerá um baque muito grande. Daí a necessidade de defender ambos e aprovar suas iniciativas. São como se fossem dois avalistas do governo federal, a ausência de qualquer um dos dois pode comprometer a estabilidade do governo.
 

O senhor disse, em relação às denúncias sobre laranjas no PSL, que talvez tenham sido cometidos alguns erros. Que erros?

O que eu posso garantir é que esquema não houve. Um esquema é todo aquele conluio estabelecido entre um grupo de pessoas para alcançar um objetivo ilícito. Com um único argumento eu demonstro que não houve esquema: não havia dinheiro. O MDB recebeu em torno de R$ 260 milhões, o PT recebeu cerca de R$ 240 milhões. O PSL recebeu R$ 9 milhões para fazer a campanha no Brasil inteiro. O que pode ter havido, não posso jurar que não houve, algum problema isolado. Se alguém errou que esse alguém pague. Mas se aconteceu foram problemas pontuais, esquema de laranja não existiu no PSL.

Este lugar foi o centro da campanha de Bolsonaro e hoje, seis meses depois, a situação mudou completamente. Como se sente?

Foram dois anos de trabalho exclusivo, eu acreditava no projeto de renovação, de interrupção de quatro mandatos sucessivos do PT. Nunca pedi nada ao presidente, saí como entrei. O que me magoou na época foi a falta de motivo, não houve explicação e a forma covarde como foi feita. Tentativa de fritura pública, isso eu não admiti.

Mantém contato com funcionários do governo?

Tenho bons amigos, e essas pessoas estão preocupadas. Não se pode atirar num soldado próprio pelas costas ou abandoná-lo. O presidente me deu o apelido de para-raios, todos os problemas eu matava no peito e trazia uma solução. Depois de eleito ele mudou, se esqueceu de tudo o que vivemos juntos. Não quero que o navio afunde, minha posição é de crítico, como de qualquer brasileiro. Se pretende concorrer à reeleição ele precisa entregar, a fase de promessa já passou. Para isso os ânimos precisam estar arrefecidos.
 

Que gesto sugeriria ao presidente?

Acho que o governo perde tempo com questões menores, brigas, picuinhas e fofocas e deixa de atacar aspectos que estão ao seu próprio alcance. A Casa Branca tem 270 funcionários, o Palácio do Planalto 3.200. Você sabia que no subsolo do palácio existe um hospital para atender os funcionários, com cinco consultórios odontológicos completos. O cidadão banca essa mordomia. Na garagem tem 240 carros. É dinheiro público que vai pelo ralo e para mexer nisso o governo não precisa do Congresso. Tentei armar um projeto, mas não deu tempo.

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